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Comunidade para discussões em geral relacionadas à teoria e prática marxista. ☭☭☭


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TWITTER / X FOI BLOQUEADO! VAMOS FALAR SOBRE | Tecnologia e Classe @comunismo

https://youtube.com/watch?v=Vov46fdN1r8

Ele citou a @Ursalzona (enchi muito o saco dele no discord por varias semanas hahahahaha)

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Uma operação realizada no domingo (8) por um motorista de caminhão jordaniano matou três agentes de segurança da ocupação perto da fronteira com a Cisjordânia ocupada.

O homem que realizou o tiroteio, um motorista de caminhão da Jordânia, chegou ao terminal e abriu fogo contra os guardas de segurança de perto com uma pistola que ele havia escondido, atirando na cabeça deles, antes de ser baleado e morto por guardas de segurança de fronteira. Ele foi identificado pela mídia israelense como Maher al-Jazi, de 39 anos.

O membro do Bureau Político do Hamas, Fathi Hammad, referiu-se ao tiroteio como “um grande tapa na cara do sistema de segurança e militar sionista, e evidências conclusivas da fragilidade da entidade sionista em face da vontade dos heróis”.

A Frente Popular pela Libertação da Palestina (FPLP) afirmou que a operação “é um golpe determinado contra a segurança sionista e uma mensagem ardente de um jovem jordaniano para os crimes da ocupação”, chamando-a de legítima e heroica.

Já a Frente Democrática pela libertação da Palestina (FDLP) disse que a operação transmite uma mensagem que “o Estado de ocupação fascista deve entender”, chamando-o de “um episódio de uma ampla série de reações aos crimes israelenses que não cessarão”.

Enquanto isso, durante a reunião semanal do gabinete ministerial sionista, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu culpou o evento por “uma ideologia assassina liderada pelo eixo do mal do Irã”.

COMUNICADO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE EM GAZA

Relatório estatístico periódico sobre o número de mártires e feridos devido à agressão sionista na Faixa de Gaza:

A ocupação israelense cometeu 3 novos massacres contra famílias em Gaza, resultando em 33 mártires e 145 feridos que chegaram aos hospitais nas últimas 24 horas.

Um número considerável de vítimas ainda está sob os escombros e nas ruas, e as equipes de ambulância e defesa civil não conseguem alcançá-las.

O total de mártires da agressão israelense subiu para 40.972 e 94.761 feridos desde o 7 de outubro.

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Estou começando a me dedicar mais na teoria. No momento estou lendo Marx, uma introdução do Grespan e já li o manifesto. Quais livros vocês recomendariam depois?

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A República Popular Democrática da Coreia (RPDC), está desenvolvendo um projeto de construção de moradia popular de 50.000 apartamentos até 2025 localizados na capital do país, Pyongyang, anunciou a Agência Central de Notícias da Coreia.

Em 17 de abril deste ano, o líder da RPDC, Kim Jong-un, comemorou a conclusão da construção de 10.000 novos apartamentos em uma cerimônia de inauguração no bairro de Hwasong. Foi o segundo conjunto de moradia já construído, o outro fica no bairro de Songhwa, totalizando 30.000 apartamentos construídos até agora desde o começo do projeto em 2021.

De acordo com a agência de notícias, Kim Jong-un pediu que os trabalhadores alcancem suas metas e “transformem a capital Pyongyang em uma cidade civilizada mundialmente famosa”.

O governo norte coreano, por causa das dificuldades econômicas criadas pelas sanções americanas, criou esse projeto em um esforço de investir na população e melhorar a economia do país criando empregos e ampliando as opções de moradia.

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O grupo Socialistas Democráticos da América (DSA, por sua sigla em inglês), a maior organização de esquerda dos Estados Unidos abertamente socialista, retirou seu apoio à deputada norte-americana Alexandria Ocasio-Cortez, acusando-a de ações que têm confrontado os valores da entidade e a luta pró-Palestina.

Em comunicado emitido nesta quarta-feira (10/07), o DSA falou em “traição profunda” ao revelar que, recentemente, a congressista novaiorquina organizou um painel público com líderes do Conselho Judaico para Assuntos Públicos, ligados à Aliança Internacional de Memória do Holocausto (IHRA, na sigla em inglês).

“Neste painel, o antissionismo e o antissemitismo foram confundidos e o boicote às instituições sionistas foi condenado. Este patrocínio é uma profunda traição a todos aqueles que arriscaram seu bem-estar para combater o apartheid e o genocídio israelenses por meio de ações políticas e diretas nos últimos meses e em décadas passadas”, disse a nota.

O documento também revelou que a deputada co-assinou um comunicado de imprensa, na data referente a 20 de abril, que “apoia o fortalecimento do Domo de Ferro e outros sistemas de defesa” israelenses.

Opera Mundi entrou em contato com o DSA. Embora o Comitê Político Nacional do grupo tenha declarado a retirada de apoio condicional à deputada, a organização informou à reportagem que, até o momento, Ocasio-Cortez “segue sendo uma filiada” dentro do núcleo local de DSA-Nova York. Porém, o assunto ainda segue sendo discutido internamente.

Ocasio-Cortez, de 34 anos, já foi vista como uma das deputadas do Partido Democrata mais críticas às ações de Israel no Congresso norte-americano, liderando a pressão para suspender a ajuda militar de Washington a Tel Aviv e reconhecendo o genocídio em curso na Faixa de Gaza.

No entanto, ultimamente ela tem sido criticada pelos movimentos de resistência pró-Palestina em decorrência de seu apoio declarado ao presidente Joe Biden, que segue financiando a guerra.

Em 23 de junho, o Comitê Político Nacional do DSA votou para endossar Ocasio-Cortez, desde que ela se opusesse publicamente a todo o tipo de auxílio financeiro a Israel, participasse regularmente do Comitê de Socialistas Federais do grupo, lutasse contra a criminalização do antissionismo e apoiasse a campanha de BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) para acabar com o colonialismo israelense.

“Muitos membros apoiaram o endosso nacional”, afirmou o grupo “ao mesmo tempo em que exigem que Ocasio-Cortez demonstre um nível mais alto de compromisso com a libertação palestina, a autodeterminação e o fim imediato do hediondo genocídio em Gaza cometido por Israel”.

“Um endosso nacional do DSA vem com um compromisso sério com o movimento pela Palestina e nosso projeto socialista coletivo […] Para construir um movimento socialista que seja capaz de derrotar o capitalismo, devemos exigir mais dos líderes de nosso movimento”, declarou o DSA.

Opera Mundi também entrou em contato com a assessoria da deputada novaiorquina. No entanto, não obteve resposta até o fechamento da reportagem.

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ANÁLISE da CANDIDATURA DA UP em BH e... VEREADOR João? | Cortes do João ...

https://youtube.com/watch?v=rhKKIvoll7k

Pra variar João Carvalho certíssimo

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A esquerda palestina recebe pouca atenção nas discussões atuais sobre a política palestina, já que suas principais facções parecem marginalizadas, embora historicamente tenham contribuído enormemente para o desenvolvimento do movimento nacional palestino. A ausência de uma opção progressista entre dois partidos nacionalistas conservadores, Fatah e Hamas, contribui para o impasse que os palestinos enfrentam em termos de iniciativa política.

Para entender a marginalização da Esquerda, é preciso considerar não apenas alguns dos fatores históricos objetivos que minaram seu peso político, como o colapso da União Soviética ou a ascensão do Islamismo político. A incapacidade de resolver problemas antigos, como a fragmentação interna da esquerda ou a primazia do nacionalismo sobre a classe, também representaram fatores chave no declínio da esquerda palestina.

A OLP e a Esquerda

No final dos anos 1960, as organizações armadas palestinas assumiram a Palestine Liberation Organization (Organização para a Libertação da Palestina – OLP) e a transformaram na principal plataforma institucional do moderno movimento nacional palestino. O Fatah de Yasser Arafat emergiu como a facção palestina dominante, ganhando imensa popularidade entre os refugiados palestinos no exílio graças à introdução de algumas inovações políticas chave.

“As principais facções da esquerda palestina historicamente fizeram uma enorme contribuição para o desenvolvimento do movimento nacional palestino.”

O Fatah liderou a ideia de que o nacionalismo palestino e a agência política deveriam ser autônomos do patrocínio árabe e que a luta armada era o instrumento chave para alcançar a libertação. Várias outras facções se juntaram ao Fatah na OLP, com aquelas que reivindicavam uma identidade marxista representando a principal oposição à sua liderança. Quando as organizações armadas assumiram o controle total da OLP em 1969, a esquerda palestina já apresentava alguns dos problemas de longa data que marcariam sua trajetória.

A organização de esquerda mais importante da OLP foi, e ainda é, a Popular Front for the Liberation of Palestine (Frente Popular para a Libertação da Palestina – FPLP), um grupo liderado por George Habash, um médico da cidade de Lydda, onde hoje é o centro de Israel. Habash também era conhecido como hakim al-thawra, “o homem sábio da revolução” — um apelido que sugeria tanto seu histórico profissional (hakim significa doutor em árabe levantino) quanto sua liderança carismática.

A FPLP foi fundada em 1967 como a seção nacional palestina de uma das mais importantes organizações transnacionais árabes, o Movement of Arab Nationalists (Movimento dos Nacionalistas Árabes – MAN). Durante os anos 1960, o MAN se aproximou de Gamal Abdel Nasser, o presidente egípcio que defendia o nacionalismo e a unificação árabe. Isso também implicava uma mudança à esquerda na perspectiva tradicionalmente nacionalista do MAN, à medida que Nasser se inclinava mais decididamente para o conceito de “socialismo árabe”.

Após a esmagadora derrota árabe na guerra de junho de 1967 contra Israel, o pan-arabismo de Nasser perdeu sua credibilidade como o principal agente de unificação árabe e libertação palestina. Isso deixou mais espaço para facções como o Fatah, que insistiam que os próprios palestinos deveriam liderar a luta pela libertação. Habash e seus seguidores entenderam que era o momento certo para uma mudança paradigmática no MAN, e em dezembro daquele ano, fundaram a FPLP.

Divisões na FPLP

No entanto, em seus primeiros dois anos de vida, a FPLP sofreu grandes divisões. Primeiro, em 1968, Ahmed Jibril, um ex-oficial do exército sírio, deixou a organização pouco depois de se juntar a ela e fundou o Comando Geral da FPLP. Jibril argumentou que tinha pouco interesse nos debates ideológicos da FPLP e estava mais interessado em organizar a resistência armada.

Possivelmente mais dolorosa do que a saída de Jibril foi a decisão da, até então, ala esquerda da FPLP de deixar a organização em 1969 e seguir a liderança de Nayef Hawatmeh. Hawatmeh, um cidadão jordaniano, e seus seguidores, que se reuniam principalmente em torno da revista al-Hourriah, contestavam a liderança autoritária de Habash, que eles viam como excessivamente inclinada à direita.

“As plataformas ideológicas e organizacionais da FPLP refletiam a influência do marxismo global.”

No entanto, as rivalidades pessoais possivelmente importavam mais do que as diferenças ideológicas na divisão, já que Hawatmeh ressentia-se da popularidade e aura carismática de Habash. Após garantir proteção do Fatah de Arafat, particularmente para os escritórios de seus camaradas no Líbano, Hawatmeh deixou a FPLP e fundou a Frente Democrática Popular para a Libertação da Palestina (mais tarde renomeada simplesmente para Democratic Front for the Liberation of Palestine (Frente Democrática para a Libertação da Palestina, ou FDLP). O nome pretendia destacar a alegada liderança antidemocrática da organização-mãe.

Habash , então, ficou com uma organização menor que, no entanto, ainda gozava de popularidade significativa e era leal ao seu secretário-geral. Em 1969, a FPLP publicou seu manifesto político e adotou o marxismo-leninismo como ideologia oficial. As plataformas ideológicas e organizacionais da FPLP refletiam a influência do marxismo global. O maoísmo e a experiência vietnamita claramente incorporavam alguns dos principais modelos para Habash e seus camaradas.

Ao contrário do Fatah, a FPLP (assim como a FDLP) não buscava apenas a libertação palestina e a criação de um estado democrático em toda a Palestina. Eles acreditavam em uma revolução mais ampla que traria o socialismo para toda a região e derrubaria os “regimes reacionários árabes”. Nessa perspectiva, a reação árabe e o sionismo eram vistos como peões locais do imperialismo global, liderado pelos Estados Unidos.

No final dos anos 1960, tanto a FPLP quanto a FDLP dirigiram sua retórica virulenta ao Reino Hachemita da Jordânia. Este era o estado onde a OLP tinha sua sede e onde os palestinos tinham a melhor chance de criar um “Hanoi Árabe” para apoiar a guerrilha contra Israel.

Apesar das diferenças ideológicas com o Fatah, a FPLP ainda tinha os mesmos valores e práticas compartilhadas que formavam o núcleo do estatuto da OLP. Ao fazer isso, a FPLP reconhecia a primazia dessas ideias que o Fatah havia introduzido primeiro ao movimento nacional, especialmente o nacionalismo palestino.

A FPLP permaneceria leal ao longo das décadas na estrutura da OLP, apesar de seu forte papel de oposição. A organização consistentemente reafirmava a preeminência da dimensão nacional de sua luta sobre a linha socialista e revolucionária.

Do Jordão ao Líbano

Os apelos por uma revolução árabe refletiam claramente o legado nacionalista árabe do MAN, mas colocavam a FPLP e a FDLP em desacordo com o Fatah, cujos líderes se esforçavam para manter um equilíbrio para a OLP na Jordânia. Durante seus anos revolucionários, até aproximadamente 1972, a FPLP se tornou mundialmente conhecida por suas “operações externas” — especificamente, os sequestros de aviões que fizeram de Leila Khaled um ícone revolucionário global.

Embora essa estratégia tenha alcançado seu objetivo de chamar a atenção do mundo para a luta palestina, também desencadeou um confronto entre a OLP e os governantes hachemitas da Jordânia. Em setembro de 1970, o pouso pela FPLP de três aviões sequestrados em Dawson’s Fields, uma antiga base aérea britânica, foi o estopim para a crise, com o rei Hussein ordenando que o exército agisse contra as organizações armadas palestinas. Após o que ficou conhecido como “Setembro Negro”, os confrontos continuaram em 1971, e a OLP foi finalmente forçada a realocar sua sede para Beirute.

“Uma vez no Líbano, toda a OLP entrou em uma nova fase política, onde a revolução e a luta armada coexistiam com a diplomacia e o desenvolvimento institucional.”

Uma vez no Líbano, toda a OLP entrou em uma nova fase política, onde a revolução e a luta armada coexistiam com a diplomacia e o desenvolvimento institucional. Em 1974, a OLP havia adotado essa abordagem como sua linha oficial, com a organização declarando sua prontidão para estabelecer uma “autoridade nacional palestina combatente sobre qualquer parte da terra libertada”, prenunciando a aceitação explícita de uma solução de dois estados. Na verdade, a FDLP foi a primeira facção palestina a propor tal mudança política, que o Fatah rapidamente endossou.

A FPLP ficou no meio e rejeitou a nova linha, considerando-a uma “desvio” do estatuto da OLP. A organização de Habash enfrentou um dilema significativo, dividida entre sua lealdade a estrutura da OLP e sua adesão ao papel de oposição radical.

Grande parte do apoio popular à FPLP baseava-se em sua posição intransigente sobre a libertação palestina e sua capacidade de desempenhar seu papel revolucionário. Na Jordânia, havia uma chance real de a FPLP lançar uma transformação revolucionária, enquanto no Líbano, o equilíbrio entre seus dois principais objetivos políticos era mais difícil de alcançar.

No entanto, o contexto libanês ainda oferecia algumas oportunidades revolucionárias para a esquerda palestina. O Movimento Nacional Libanês local, liderado por Kamal Jumblatt, visava superar o sistema confessional tradicional sobre o qual o poder estatal se baseava e via na presença armada palestina um parceiro potencial. Enquanto o Fatah tentava evitar ser arrastado para os confrontos internos libaneses, a FPLP e a FDLP viam na iniciativa de Jumblatt outra chance de levar a revolução a um estado árabe.

Quando a guerra civil estourou em 1975, ficou claro que a OLP não poderia permanecer alheia ao conflito. Afinal, um incidente de tiroteio contra combatentes palestinos acabou sendo considerado o primeiro episódio da guerra. As milícias libanesas controladas por facções conservadoras, particularmente maronitas cristãs, temiam a ameaça política e demográfica que a OLP representava para o estado atual.

As organizações palestinas tornaram-se fortemente envolvidas na guerra, pois seu principal objetivo era proteger o santuário que haviam construído no país. Na segunda metade da década de 1970, a solidariedade com os palestinos ajudou a FPLP a superar suas lacunas com o restante do movimento nacional. A transformação revolucionária deu lugar como objetivo à sobrevivência nacional.

A segunda invasão de Israel ao Líbano em 1982, após a primeira ter ocupado uma parte do sul do Líbano em 1978, marcou um ponto de virada na história de toda a OLP e especificamente da esquerda palestina. Após um cerco que durou um verão, a OLP foi forçada a deixar sua base em Beirute e se mudar para a distante Tunis. Enquanto isso, a FPLP e a FDLP transferiram suas sedes para Damasco, onde os olhos vigilantes do regime de Hafez al-Assad impuseram um ambiente muito mais restritivo para a esquerda palestina.

A Primeira Intifada

Após 1982, os grupos de esquerda pareciam ter sido privados de qualquer espaço para iniciativa revolucionária. A luta armada, como praticada até então, alcançou reconhecimento internacional para o movimento nacional mais amplo, mas não entregou nem a libertação nem a revolução no mundo árabe. Fatah e a liderança da OLP agora apostavam tudo na diplomacia e buscavam obter o reconhecimento dos EUA como um passo fundamental e preliminar para entrar em negociações diretas com Israel.

“Após 1982, os grupos de esquerda pareciam ter sido privados de qualquer espaço para iniciativa revolucionária”

Por sua vez, a FPLP não pôde aceitar essa nova virada para a diplomacia, mas também não conseguiu propor uma visão alternativa. Além disso, George Habash não pôde exercer sua forte liderança da maneira como havia feito antes, depois de sofrer um derrame em 1980 que enfraqueceu significativamente sua capacidade de trabalho.

O surgimento da Primeira Intifada em 1987 representou uma oportunidade de ouro para encontrar uma saída do impasse político que vinha restringindo a capacidade de iniciativa palestina. A ampla revolta civil nos territórios ocupados deslocou o equilíbrio da OLP da diáspora para a pátria. Para a liderança da OLP, foi uma ocasião para obter mais vantagens para seus esforços diplomáticos. Para a FPLP e a esquerda, por outro lado, foi uma chance de fechar a lacuna com Fatah e renovar suas credenciais revolucionárias.

No entanto, a Primeira Intifada também viu o surgimento da primeira organização palestina fora do quadro da OLP a ganhar amplo apoio popular. O Hamas, Movimento de Resistência Islâmica, foi estabelecido logo após o início das revoltas e rapidamente se apresentou como a nova opção radical palestina. Isso não apenas ameaçou o status da OLP, mas também colocou em risco o papel da esquerda palestina, particularmente a FPLP, que ainda se posicionava como a oposição mais forte aos desvios do Fatah.

Vários outros fatores proeminentes surgiram no início dos anos 1990 que colocaram toda a esquerda e especialmente a FPLP em uma situação crítica. O colapso da União Soviética em 1991 minou a credibilidade dos partidos marxistas em nível global. No nível palestino, este evento não provocou grandes transformações na perspectiva ideológica e organizacional das organizações de esquerda. Apenas o Partido Comunista Palestino se renovou como Partido Popular da Palestina e adotou um perfil social democrata.

A FPLP parecia particularmente inativa diante deste grande desafio global e da situação alterada que a Intifada havia criado para as facções palestinas. Em seu quinto congresso nacional em 1993, a FPLP falhou em atualizar sua visão para a transformação socialista e reafirmou sua adesão à declaração ideológica de 1969. Ao mesmo tempo, a liderança tradicional não permitiu que os novos líderes da Palestina que surgiram durante a Intifada ganhassem uma representação adequada na organização.

Após Oslo

No final do verão daquele ano, a liderança da OLP e o governo israelense declararam a conquista de um planejamento para um processo de paz, parte dos chamados Acordos de Oslo. Esta reviravolta pegou a esquerda palestina de surpresa. A FPLP e a FDLP, junto com o Hamas, rejeitaram o acordo secreto que havia sido alcançado na capital norueguesa, embora um pequeno grupo na FDLP tenha deixado a organização e fundado a Palestinian Democratic Union (União Democrática Palestina- UDP) para apoiar a iniciativa de Arafat.

“A FPLP e a FDLP se esforçaram para construir uma coligação em oposição aos Acordos de Oslo com o Hamas e outras facções de rejeição.”

Conforme o processo de paz ostensivo entre Israel e Palestina avançava e a Palestinian National Authority (Autoridade Nacional Palestina – ANP) era estabelecida, a FPLP e a FDLP buscaram construir uma coligação em oposição a isso com o Hamas e outras facções de rejeição. Esta iniciativa se mostrou de curta duração, já que os esquerdistas e os islamistas encontraram pouco terreno comum e não conseguiram superar a desconfiança mútua. Na década de 1990, tanto a FPLP quanto a FDLP gradualmente aceitaram a nova realidade. Enquanto mantinham oficialmente sua rejeição ao quadro de Oslo, eles pragmaticamente buscavam maneiras de influenciar essa nova realidade.

Membros do partido foram autorizados a se juntar às fileiras inferiores da burocracia da ANP, enquanto os líderes principais consideravam voltar à Palestina no contexto do processo de paz. Em 1999, por exemplo, Abu Ali Mustafa, vice-secretário-geral da FPLP, foi autorizado a retornar à Cisjordânia para organizar a resistência nos territórios ocupados, conforme declarações oficiais mantidas.

Ao mesmo tempo, no entanto, muitos ativistas de esquerda abandonaram suas facções para se juntar ao setor em expansão de organizações não governamentais (ONGs). A esquerda passou a ver a sociedade civil como o novo bastião de resistência tanto contra a ocupação quanto contra o crescente autoritarismo da ANP. No entanto, a dependência de financiamento ocidental e as condições associadas a isso privaram as ONGs de grande parte de seu potencial progressista. Dentro do quadro do trabalho das ONGs, o ativismo social foi profissionalizado, e uma abordagem de questão única tornou-se proeminente.

Em contraste marcante, o Hamas ampliou sua base social durante este período através de uma grande rede de organizações populares que não dependiam de financiamento externo e, portanto, eram capazes de mobilizar apoio popular para a linha e a cultura do partido. As facções de esquerda estavam perdendo membros e sua oposição parecia ineficaz, já que tanto a FPLP quanto a FDLP haviam praticamente se reconciliado com o Fatah e aceitado o Acordo de Oslo.

A Segunda Intifada, que eclodiu em setembro de 2000, selou a marginalização da esquerda palestina. No contexto de uma revolta militarizada, os braços armados da FPLP e da FDLP não puderam igualar a força das Brigadas Al-Qassam do Hamas ou dos Mártires de Al-Aqsa do Fatah.”

“A Segunda Intifada, que eclodiu em setembro de 2000, selou a marginalização da esquerda palestina.”

Em 2000, Habash renunciou ao seu cargo, e Abu Ali Mustafa tornou-se secretário-geral da FPLP, destacando a importância que a FPLP atribuía à reorganização da resistência nos territórios ocupados. No entanto, um ataque aéreo israelense em seu escritório em Al-Bireh assassinou o novo líder da FPLP em agosto de 2001.

Enquanto a Intifada continuava, a FPLP elegeu Ahmad Sa’adat, um líder do ramo da FPLP na Cisjordânia, como novo secretário-geral. No entanto, Sa’adat logo depois foi incapacitado em seu papel de liderança. Primeiro, a ANP o prendeu em 2002 por seu papel no assassinato do ministro israelense Rehavam Ze’evi, em represália pela morte de Mustafa. Posteriormente, o exército israelense transferiu Sa’adat da prisão da ANP para uma de suas próprias prisões, onde ele permanece até hoje.

A Esquerda Palestina Hoje

A Segunda Intifada chegaria ao fim em 2005, deixando a liderança da FPLP em uma situação difícil. Quanto à FDLP, Hawatmeh, já idoso, continuava ocupando o cargo de secretário-geral, mas estava morando em Damasco, longe dos territórios. Nos anos agitados que se seguiram à Segunda Intifada e à morte de Arafat em 2004, a esquerda palestina parecia estar pressionada entre a crescente oposição do Hamas e um Fatah fragmentado que, mesmo assim, ainda encarnava o partido dominante da ANP.

A participação dispersa das facções de esquerda nas eleições de 2006 para o Conselho Legislativo Palestino, o parlamento da ANP, testemunhou sua incapacidade de desempenhar um papel significativo na crescente polarização da política palestina. A FPLP conquistou três cadeiras de um total de 132, com pouco mais de 4% dos votos. A FDLP concorreu em uma lista conjunta com o Partido Popular e a FIDA, chamada de Alternativa, e conquistou duas cadeiras com menos de 3% dos votos. A Iniciativa Nacional Palestina de Mustafa Barghouti, ex-líder do Partido Popular que concorreu contra Mahmoud Abbas na eleição presidencial de 2005, também conquistou duas cadeiras.

Hamas foi o vencedor geral, e sua rivalidade com o Fatah eventualmente resultou em conflito total entre os dois grupos. Enquanto isso acontecia, a esquerda palestina tentava desempenhar um papel mediador, mas não conseguia influenciar o curso dos eventos. Toda a esquerda condenou a tomada de Gaza pelo Hamas em 2007, ao mesmo tempo que reconhecia as responsabilidades do Fatah na escalada da crise.

“Alguns líderes proeminentes da política palestina continuaram a surgir das fileiras da esquerda, como Khalida Jarrar da FPLP.”

Nos anos que se seguiram, as facções de esquerda palestinas continuaram focadas em esforços de reconciliação. Seu número de membros continuou a declinar, assim como seu impacto na sociedade palestina. Por exemplo, os grupos estudantis de esquerda afiliados aos principais partidos não têm se saído bem nas eleições universitárias.

Alguns nomes proeminentes na política palestina continuaram a surgir das fileiras da esquerda, como Khalida Jarrar da FPLP. No entanto, diante das condições econômicas cada vez piores nos territórios ocupados e do crescente autoritarismo das administrações palestinas tanto em Gaza quanto na Cisjordânia, sob o peso de uma ocupação opressiva, as facções de esquerda têm sido incapazes de propor uma visão alternativa para a libertação e mobilizar apoio popular de acordo.

A renovação ideológica e organizacional continua a escapar dos principais grupos. Por exemplo, a FPLP continuou reelegendo Sa’adat como secretário-geral em sua cela na prisão, destacando sua incapacidade de encontrar um novo líder que possa supervisionar os assuntos do partido de fora da prisão.

Mais amplamente, a incapacidade da Esquerda de renovar sua visão para a libertação palestina continua sendo um problema central. Os partidos de esquerda, assim como outras organizações palestinas, permanecem vinculados a visões tradicionais que surgiram durante a década de 1960. Eles falharam em elaborar uma alternativa que possa se afastar dos paradigmas históricos do nacionalismo palestino e focar mais precisamente nas contradições centrais da questão palestina e do movimento nacional palestino.

Como reconstruir uma plataforma institucional que possa fornecer representação política legítima e abrangente ao povo palestino? Como elaborar uma visão para autodeterminação que se desprenda de uma solução de dois estados impossível? Como fornecer uma análise e uma resposta política às relações coloniais de poder existentes não apenas nos territórios ocupados, mas em todo Israel/Palestina? Como devolver a representação política e o envolvimento aos refugiados palestinos no exílio?

Enquanto a brutal guerra israelense em Gaza continua sem fim à vista, ponderar sobre essas questões pode parecer irrelevante. No entanto, do ponto de vista a longo prazo, a ausência de uma plataforma política palestina viável é uma peça vital ausente na luta para alcançar igualdade e autodeterminação para os palestinos.

A esquerda palestina em toda sua diversidade poderia aproveitar seu legado histórico e intelectual dentro do movimento nacional para fornecer novas perspectivas sobre os principais problemas da questão palestina. No entanto, as organizações tradicionais parecem ter esgotado grande parte de sua credibilidade política e mostram pouco interesse em uma renovação significativa. A questão pendente então permanece sobre se as ideias e práticas de esquerda podem encontrar um veículo eficaz nas estruturas existentes ou terão que buscar novos canais institucionais.

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Oque para muitos era mero catastrofismo ecológico, ou nas palavras da extrema direita, “psicose ambientalista”, se tornou realidade no Rio Grande do Sul. Desde o dia 29 de abril, com o primeiro alerta vermelho do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), o que se viu no Estado foi uma tempestade perfeita na qual a negligência ambiental emergiu da austeridade econômica.

Como se não bastasse, tudo que é ruim pode piorar. O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), aproveita da tragédia para privatizar a própria reconstrução da cidade com a contratação da empresa estrangeira Alvarez & Marsal, que atuou diretamente na privatização da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan). Já o governador Eduardo Leite (PSDB) admitiu ter ciência dos estudos sobre os riscos climáticos, mas, em suas palavras, “nossa prioridade era restabelecer a capacidade fiscal do Estado”.

A naturalidade com que Leite reconheceu sua omissão indica como a doutrina da austeridade se incorporou ao discurso político com a força de uma lei da física. Para os liberais e similares, as supostas leis da economia se impõem como um fenômeno natural – ou mesmo uma manifestação da vontade divina. Por isso, não surpreende que Gary Mongiovi classifique a austeridade como um “evangelho” que apregoa um crescimento econômico impulsionado “não pela atividade produtiva e pelos gastos dos trabalhadores, mas pela abstinência virtuosa dos capitalistas”, o que implicaria em sacrifícios, pois é “preciso resistir às demandas dos trabalhadores por salários mais altos e menos horas de trabalho”. A pretensa linguagem técnica e despolitizada dos liberais, no final das contas, não resvala no discurso teológico à toa. Para além de um evento natural, as enchentes no Rio Grande do Sul se tornaram um cenário político no qual entram em disputa visões sobre o Estado, a natureza, o indivíduo e a religião.

Como em uma espécie de patologia política oportunista, se disseminou nas redes sociais postagens sobre a ineficácia absoluta do aparato estatal em socorrer a população diante da catástrofe. Evidência disso é a difusão massiva de vídeos de resgates e ações realizadas por empresários, políticos e celebridades. Ao contrário dos engessados e ineptos agentes públicos, o heroísmo e a disposição corajosa destes indivíduos comprovariam o caráter parasitário e ineficiente do Estado. A reboque dessas narrativas inspiradoras e consoladoras se propagavam, como que a contrabando, inúmeros discursos ideológicos da extrema direita, em uma de suas variações seculares: a anarcocapitalista ou a religiosa.

O Deus bíblico e a mão invisível do mercado

Liberais, anarcocapitalistas e fundamentalistas cristãos comungam da mesma fé no individualismo extremado, desqualificando quaisquer categorias que não se reduzem ao indivíduo e sua agência racional e virtuosa. Esse atomismo ontológico, que encara a realidade como um imenso aterro ocupado por um sem-número de peças de Lego, os indivíduos e as coisas, guarda em si uma consequência teológica. Tanto para liberais, como para libertários de direita, católicos e evangélicos radicalizados, essa ontologia individualista só admite dois tipos de leis supra-individuais reguladoras: a divina e a econômica.

Perante o Deus bíblico e seu julgamento e o Deus mercado e sua mão invisível, as leis cristãs e econômicas só reconhecem como ente legítimo o indivíduo, pois só ele é passível da graça da salvação/riqueza ou do castigo danação/miséria. Todo o resto seria, na atual palavra esvaziada de sentido pelas redes sociais, mera “narrativa” da esquerda, independentemente de se tratar de uma pandemia, da sociedade, dos direitos humanos, do aquecimento global, do capitalismo ou da exploração do trabalho.

Na atual circunstância, exaltar a ação virtuosa de indivíduos extraordinários, sejam eles Youtubers, empresários do ramo do varejista ou humoristas de stand up, não serve apenas para justificar a implementação do “Estado-mínimo”, essa panaceia de fundo incomensurável, mas é, de fato, a negação da existência de um espaço público, ou de modo mais preciso, de um “comum da humanidade”. Na corrosão do espaço público, também se legitima a rejeição da solidariedade entre trabalhadores, da ação coletiva, assim como se declara a ausência de perspectivas partilhadas socialmente.

“O que significa não apenas a ocupação empresarial das funções atribuídas ao Estado democrático burguês, mas também a tomada dessas funções por parte das igrejas.”

Logo, desgastar a imagem do Estado perante a população é uma operação discursiva que não se limita a incitar a desconfiança da população frente a classe política. O que se tem a rigor é uma disputa cosmopolítica, nos termos definidos por Hilan Bensusan: uma “forma de atenção que entrelaça a natureza cósmica das decisões políticas humanas com o crescente impacto cósmico dessas decisões”.

Quando um liberal encara a austeridade como uma espécie de destino iniludível, ao ponto de ignorar estudos climáticos, ou um prefeito coloca como causa da enchente a grande quantidade de templos de matriz africana no Rio Grande do Sul, não estamos mais no terreno da gestão pública, das disputas eleitorais ou de diferenças partidárias. A contenda é pela agência, propósito e consequências envolvendo o humano, o natural, o social e o individual – e até o sobrenatural. Todos estes, ainda segundo Bensusan, encontram-se emaranhados e envolvidos pelo evento cosmopolítico do poder do Capital que

“dissolve, erode, desterritorializa e derrete códigos e práticas pré-existentes […] tem um efeito marcante no planeta e eventualmente para além dele; sua pulsão é por converter coisas em mercadorias e precificar cada uma delas. Sua marca epocal é a da mercantilização que gradualmente também inclui corpos e agência humanos”.

O papel das redes sociais

No âmbito cosmopolítico, a direita fornece a já citada ontologia dos indivíduos, que ao se implantar nos limites da política e gestão dos aparatos estatais, limita sua ação à privatização de absolutamente qualquer ente que se suponha ser coletivo e/ou público. O que significa não apenas a ocupação empresarial das funções atribuídas ao Estado democrático burguês, mas também a tomada dessas funções por parte das igrejas. O Estado e seus mediadores, sejam eles políticos, cientistas, burocratas, professores, juízes e demais peritos, devem ser suprimidos por representarem pretensas ordens do real que não encontram referência, em sentido freguiano, em partes do conjunto de indivíduos tidos como legítimos. Muito dessa concepção se deve ao modo como as redes sociais estruturam não só as informações, mas a subjetividade e as cosmovisões de seus usuários. A negação do sistema de peritos, nas palavras de Letícia Cesarino, é efeito direto da ilusão de imediatidade e de transparência quanto a circulação de informações que as redes sociais produzem em seus usuários.

Essa infecção ideológica oportunista que se verifica no Rio Grande do Sul é a ponta final de um longo processo que teve seus inícios, no mínimo, durante a Lava Jato, passando pela admissão da extrema direita no jogo democrático burguês e que se consuma agora na disseminação cada vez mais ampla de teses que antes se limitavam a guetos virtuais na internet ou a igrejas neopentecostais. A própria propagação da ideologia do empreendedorismo já garante que essa ontologia (e ética) individualista se popularize, e reforce ainda mais o ataque da extrema direita contra o Estado e a qualquer noção mínima de vida em comum.

Como agravante, a reação da esquerda diante do avanço neoliberal e conservador tem se concentrado em uma defesa automatizada e irrefletida que acaba por recair em uma espécie de estadocentrismo, que resvala na maior parte das vezes em uma apologia desesperada das virtudes civilizacionais do Estado democrático de direito – e nada mais que isso. A cada movimento da direita testando os limites da ideia de liberdade de expressão, parte da esquerda reage ou em um registro abertamente punitivista (“X é crime, prenda-se”) ou paternalista (“Y é ignorante, falta-lhe estudo). A justificativa para essas posturas seria que “com fascista não se debate”, ou outras palavras de ordem bem fundamentadas em memes ou postagens de redes sociais. Outra opção, mais compassiva com os “inimigos”, seria a que identifica os ataques às benesses estatais como derivadas de um déficit de serviços públicos. Quanto mais gestão pública, mais programas governamentais e quanto mais inclusão, menor o índice de fascismo na sociedade.

“Nossa tragédia é que a aliança entre ultraliberais e conservadores lançou partes consideráveis da esquerda não só no estadocentrismo, mas no abandono em definitivo de qualquer horizonte utópico.”

O punitivismo, o paternalismo e a compaixão partilham de um profundo estadocentrismo que encara o humano de uma maneira tão reificada como a defendida pela ontologia individualista da direita. No lugar de entes atomizados e racionais deliberando sempre pelo seu bem, conforme a praxeologia de Ludwig von Mises, ou cristãos salvos pelo sangue de Cristo, essa esquerda opta por indivíduos vistos como receptáculos passivos na espera pela chegada de programas e legislações que o torne portador de direitos. Tudo isso garantido pela Carta Magna de 1988, e no caso dos insatisfeitos, pela caneta de Alexandre de Moraes.

Enquanto isso, a direita idealiza o indivíduo, com perdão do termo, empoderando-o, colocando seu destino em suas próprias mãos. Cada indivíduo livre, ressalte-se esse livre, é um Elon Musk em potencial, seja ele um MEI ou empreendedor do ramo de marketing multinível. Esse empoderamento mítico do indivíduo com cada um vivendo uma escatologia pessoal e intransferível, seja ela redundando em fracasso ou sucesso, não esvaziou apenas as propostas da esquerda, ou a eficiência do Estado, mas qualquer renovação da ideia de utopia, nos termos que sempre foram tão caros à esquerda.

Que fazer?

Nossa tragédia é que a aliança entre ultraliberais e conservadores lançou partes consideráveis da esquerda não só no estadocentrismo, mas no abandono em definitivo de qualquer horizonte utópico. Acabamos nos tornando partidários do partido da ordem e da civilização como ela se coloca atualmente: eleições regulares, escolha de um corpo político de representantes legislando e executando leis com base em decisões de peritos cientificamente bem embasados na tentativa de fazer com que o capitalismo consiga ao mesmo tempo se expandir e melhorar a vida dos cidadãos. Há evidência maior da aceitação e absorção do ethos neoliberal em nosso campo político?

Entre receptores passivos do maná dos direitos sociais e potenciais heróis vitoriosos na guerra concorrencial entre indivíduos, qual discurso, tendo em vista as ruínas impostas pelo neoliberalismo, apresenta maior apelo? Antes da Lava-Lato, a despolitização foi causada pela própria esquerda que, ao ascender ao poder no Estado nacional brasileiro burocratizou movimentos sociais e, por conseguinte, lançou a população no longo processo de quietismo cidadão: aguarde, amigo, o ciclo de desenvolvimento econômico assentado na Constituição Cidadã vai te permitir uma vida plena e digna, mas aguarde aí, que estamos tratando desse ciclo histórico para você.

“A constatação, a começar pelo próprio Marx, passando por Lênin, Rosa Luxemburgo, chegando a Poulantzas e Althusser, que o Estado não é uma entidade inerte e perene, mas um espaço político a ser disputado.”

Levar a sério diagnósticos, análises e estudos baseados em evidências cientificamente fundamentados quanto a certeza que o interesse coletivo, não só humano, como não-humano, quando pensamos no âmbito da biosfera como um todo, não pode ser satisfeito com base em ações individuais isoladas e pretensamente nobres pode nos fornecer algo próximo à verdade, mas não é o suficiente para atiçar a imaginação política de partes consideráveis da população.

A partir disso, o que resta? Primeiro, a constatação, que não é novidade na tradição crítica marxista, a começar pelo próprio Marx, passando por Lênin, Rosa Luxemburgo, chegando a Poulantzas e Althusser, que o Estado não é uma entidade inerte e perene, mas um espaço político a ser disputado. Mas que disputa é essa? É a democracia das eleições cíclicas que com base em leis elaboradas pela melhor inteligência nacional vai regulamentar smartphones e a internet, iluminar almas com Institutos Federais e, nos casos omissos, recorrer ao “Xandão”? A condição para politizar os despolitizados, um dos alvos preferenciais da direita, não pode se resumir a continuidade abertamente reativa, e porque não, reacionária, e conservadora da fórmula da paz que já não funciona desde os anos 2000.

O petismo, no seu papel de gestor das ruínas do desenvolvimentismo brasileiro, abriu mão de fornecer um horizonte de expectativas crescentes, apresentado como substituto da utopia vagas em políticas públicas. Enquanto isso, nosso impasse civilizacional parece que será decidido, no fim das contas, pela vitória demográfica de evangélicos e pela expansão do agronegócio Amazônia adentro. Por isso, é óbvio que vivemos um embate cosmpolítico. De um lado temos o messianismo apocalíptico de neopentecostais, do agronegócio, garimpeiros e demais agentes patógenos da biosfera que crêem no fim do mundo, mas que são intrinsecamente otimistas em sua ânsia de pilhar até o último pedaço do país em nome de Deus. Do outro temos os gestores apocalípticos das barragens civilizatórias iluministas que conhecem o fim do mundo, mas que tentam a todo custo freá-lo com eleições, democracia, editais e serviços públicos – e a polícia, é claro.

Resta saber quem vai dar as costas a ambos cultos apocalípticos e não oferecer apenas gozo delirante ou desespero burocrático diante do fim da atual configuração do mundo. Ao se encastelar no Estado como ultima ratio perante a barbárie, seja ela a dos empreendedores ou dos pastores, a esquerda se coloca como nos últimos versos do poema À Espera dos Bárbaros, do poeta grego Constantino Kaváfis (1863-1933): “Sem bárbaros o que será de nós? Ah! eles eram uma solução”.

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Há uma caricatura de longa data da direita sobre como seria a vida em uma sociedade socialista, geralmente algo que lembra Escuridão ao Meio-Dia, de Arthur Koestler, ou 1984, de George Orwell: a vida diária é altamente regrada; o estado é centralizado e onipresente; a dissidência e a liberdade de expressão são severamente restritas; a vigilância é panóptica e constante; a lealdade absoluta é esperada dos cidadãos, que são disciplinados no caso de se afastarem do programa do partido; e as eleições, se realizadas, são uma farsa.

A grande ironia desse esboço distópico, considerando quem ele tende a invocar, é que seu análogo mais próximo hoje é, na verdade, encontrado na corporação multinacional moderna.

Por design, a corporação não é uma empresa democrática. Sua gestão é hierárquica, seus imperativos são crescimento e lucro, e sua estrutura é um sistema de classes composto por proprietários, gerentes e trabalhadores. Você poderia argumentar que, nos primeiros dias do capitalismo, algo como o conceito da livre iniciativa realmente existia: empresas de vários tamanhos competiam, sendo que mesmo as maiores eram inferiores em dimensão e influência à maioria dos Estados-nação. Hoje, as maiores empresas do mundo não apenas exercem poder monopolista e influência política considerável, mas, em muitos casos, têm capitalizações de mercado que excedem o PIB de países inteiros.

Um motivo pelo qual isso é significativo: se muitas empresas multinacionais fossem realmente países, seriam ditaduras autoritárias mais impiedosamente eficientes do que qualquer outra existente. Em muitas dessas empresas, os gerentes exercem poder praticamente irrestrito sobre os subordinados e, graças à tecnologia moderna, praticam, cada vez mais, técnicas avançadas de monitoramento e vigilância.

Considere a Amazon, onde, como relatou Ken Klippenstein do The Intercept em 2021, alguns funcionários dizem que seu desempenho é “monitorado tão de perto pelo vasto arsenal de vigilância de funcionários da empresa que estão constantemente com medo de não atingirem suas cotas de produtividade.” Vários relatórios confirmaram que as cotas da empresa são tão rigorosas que os trabalhadores frequentemente urinam em garrafas por medo de perder tempo e enfrentar punições ou até mesmo demissão. No ano passado, Klippenstein relatou ainda que funcionários superiores da empresa estavam promovendo um novo aplicativo de mídia social interna para trabalhadores, feito com um sistema embutido de recompensas por comportamento correto e uma série de palavras associadas ao descontentamento ou dissidência bloqueadas por design — entre elas “queixa”, “aumento salarial”, “compensação”, “diversidade”, “injustiça”, “justiça”, “sindicato” e até mesmo a palavra “liberdade”.

Os sindicatos podem atuar como contrapesos ao poder às vezes aterrorizante exercido pela administração. Infelizmente, a maioria dos trabalhadores não têm a sorte de pertencer a eles. Graças à legislação trabalhista atual dos EUA, muitas eleições sindicais são tão democráticas quanto aquelas realizadas em “repúblicas de bananas” — isso se os trabalhadores conseguirem iniciar uma campanha sindicalista em primeiro lugar.

Graças às vastas prerrogativas concedidas à administração, algumas empresas não se contentam em controlar o comportamento dos trabalhadores no trabalho e agora buscam controlar também seus corações e mentes. Um livro de 2012, escrito pelo presidente do Metro Bank, com sede no Reino Unido, descreve essa abordagem psicológica das relações de emprego em detalhes distópicos, observando como a empresa tenta “desprogramar” os novos contratados e afirmando, sem qualquer ironia, que “não demora muito para que [eles] vejam que nossa filosofia é muito mais do que uma declaração da missão corporativa: é um modo de vida.”

Como Abi Wilkinson escreveu em 2016, o resultado típico é uma enxurrada de “propaganda carregada de jargões sobre ‘valores corporativos’ e atividades humilhantes e infantilizantes” através das quais “gerentes seniores tentam moldar máquinas de serviço ao cliente, obedientes e dedicadas, cujo trabalho se torna o propósito central de suas vidas.”

A réplica inevitável a tudo isso é que o emprego é, em última análise, voluntário: um funcionário da Amazon que não gosta de cotas de trabalho rigorosas ou um caixa de supermercado que se recusa a realizar a dança do espírito da empresa sempre pode encontrar um emprego remunerado em outro lugar. No entanto, quando a regulamentação trabalhista é reduzida ao mínimo e um número cada vez menor de conglomerados corporativos em expansão domina o mercado de trabalho, o “outro lugar” muitas vezes parece incrivelmente familiar.

Para a vasta maioria das sociedades, a escolha entre ter um emprego e não, não é realmente uma escolha. Sociedades de mercado são, por essência, também sociedades de classes nas quais uma minoria possui os meios de produção e extrai o valor excedente dos trabalhadores, enquanto um grupo muito maior produz para ganhar a subsistência através do trabalho assalariado. Diante da escolha de passar fome e ser sem-teto ou passar a maior parte de nossas vidas adultas ganhando um salário, a maioria de nós optará pelo último, mesmo que as condições impostas sejam absolutamente horríveis. Alguns poucos podem ascender na escala de classes ou até se tornarem proprietários, mas a estrutura básica permanecerá inalterada.

Isso é particularmente significativo, dado que atualmente algumas empresas são genuinamente globais em escopo e efetivamente operam como ditaduras privadas, cujos líderes viajam em super iates e habitam Xanadus pós-modernos, enquanto os cidadãos trabalhadores são forçados a jurar lealdade e urinar em garrafas. O Grande Irmão está de fato observando você — e ele está fazendo isso em um escritório com ar-condicionado, antes de ir ao piquenique da empresa.

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Recentemente, no passado 19 de junho, se cumpriu o 38º aniversário da Matança dos Penais, uma das expressões mais nítidas do fascismo no Peru.

A luta dos povos contra essa sinistra deformação do domínio do capital financeiro começou há muito tempo. Remonta suas origens nos anos finais da primeira década do século 20, e depois é exportada à Itália, quando assomou como ferramenta destinada a aplastar os trabalhadores e impedir que a Onda Revolucionária dos anos 1920, inspirada na gesta russa de 1917, acabasse com a sociedade capitalista e mudasse a face da terra implantando um regime mais humano e justo, o socialismo.

Convenhamos que o fascismo não é uma ideologia, mas uma forma de ação. Veremos então que as primeiras expressões da bestialidade do fascismo se registraram na Hungria e na Bulgária.

No primeiro destes países, quando foi derrubada a Revolução dos Crisântemos de Conde Karoldy e Bela Kun, em 1920. 20 mil operários foram brutalmente perseguidos e assassinados para escarmentar aqueles que haviam tido a ousadia de buscar um caminho novo para sua pátria. Mariátegui denunciou estes apavorantes crimes.

Leia também | Como desinformação, corrupção e falta de educação política debilitam democracia no Peru

E na Bulgária a história não foi diferente. O governo camponês da União Agrária Popular Búlgara foi derrocado em junho de 1923, e seu líder principal, Aleksandar Stamboliysky, assassinado pelas nascentes hordas de um fascismo forjado em um militarismo feroz. Mas desse fogo macerado em sangue brotou uma figura da história: Georgi Dimitrov, nascido em 1882, na aldeia de Rodomir. 41 anos depois, encabeçou a primeiro insurreição antifascista da história em setembro de 1923. A derrota do movimento não foi em vão.

A Conferência de Vitosha

Após a Conferência de Vitosha, em agosto do ano seguinte, gerou-se um valoroso núcleo de revolucionários que se jogou pelo destino de seu povo em meio a uma tormentosa confrontação de classes.

Dez anos mais tarde, em 1933, no Processo de Leipzig, o búlgaro se enfrentou a Goering, o Chefe do Reichstag, e pôs ridicularizou o domínio nazista. Desmascarou os verdadeiros incendiários do Parlamento Germano e saiu dos cárceres do fascismo para dirigir o 7º Congresso da Internacional Comunista, que elaborou a estratégia que haveria de derrotar a Alemanha Nazista. Seu caminho de vitória não se deteve, e em 1947 assumiu o governo de seu país. Dois anos mais tarde, em 2 de julho de 1949, passou à eternidade.

Entre 1939 e 1945, a luta tomou outros caminhos. Milhões lutaram com as armas na mão para enfrentar o fascismo. A Rússia Soviética e o Exército Vermelho desempenharam o papel principal e venceram.

Experiências fascistas no Peru

Os peruanos tivemos experiências duras também com o fascismo. Talvez seus antecedentes mais remotos tenham estado nas denúncias do “complô comunista” dos anos 1927 e 1929, que serviram para encarcerar Mariátegui, mas sua expressão mais dramática veio depois:

O surgimento das Camisas Negras da União Revolucionária de Luis A. Flores; o tratamento à greve mineira de 1930; o massacre de Malpaso e a ilegalização da CGTP; a habilitação de Campos de Concentração na selva de Madre de Dios, disposta por Samanez Ocampo; o regime de Benavides; os Tribunais Militares e a Lei 8505.

Mais tarde, viriam outras. É que o fascismo no Peru contou com a adesão de personalidades destacadas como José de la Riva Agüero y Osma, algo como o italiano Giovani Gentile daqueles anos à sombra de Mussolini.

Mas certamente o fascismo logrou elaborar seu próprio jogo sob o regime neonazista de Alberto Fujimori, na última década do século passado. Usou a violência terrorista alentada pelos serviços secretos yankees para apresentar-se como um “instrumento de paz”, e se valeu dos organismos financeiros internacionais para enfrentar a crise econômica criada pelo primeiro governo de Alan García. A partir daí se dedicou à pilhagem e ao saque, mas também à repressão selvagem contra o povo.

Na atual conjuntura, o fascismo toma corpo e se dispõe a recuperar o Poder. Pensa que lhe foram apresentadas as condições necessárias para esse efeito, e se empenha em uma batalha sem quartel contando com uma super aliança: as direções dos partidos de ultradireita, a maioria parlamentar espúria, o empresariado, a cúpula militar corrupta e a “Grande Imprensa” somam forças e buscam arrasar com tudo. Bem poderia dizer-se que a ofensiva que implanta os coloca às portas de seus objetivos mais apreciados.

sequestrar poder

O que lhes falta é ganhar a vontade cidadã, que crescentemente tem se situado na calçada oposta aos seus planos sinistros. Não obstante, há ainda confusões e despistes. Há ainda aqueles que, colocados entre a Fujimori e o Promotor Domingo Pérez, se situam do lado de Keiko; e postos a escolher entre Patricia Benavides e a Junta Nacional de Justiça, optam pela primeira, e ofendem a segunda.

Ocorre que não têm a menor ideia de qual é, em cada circunstância, o perigo principal. Julius Fučík, um valoroso comunista checo assassinado em 8 setembro de 1944, nos disse há 80 anos: “Não temais a ninguém, só ao Fascismo…!”. E, aliás, a razão lhe assistiu nessa circunstância. É esse perigo que se deve combater.

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LUTA POPULAR – Após o despejo ilegal da Casa Rose Nunes – ocupação do Movimento de Mulhares Olga Benario que atendia mulheres em situação de violência na capital curitibana – os militantes da UP Vinicius Ramos e André Sanches foram presos pela Guarda Civil Municipal. Os militantes foram levados para a Central de Flagrante sem o direito de serem acompanhados pela advogada, e acusados de dano ao patrimônio e lesão aos policiais.

A ação da Unidade Popular e do Movimento Olga exigia negociação com a prefeitura a respeito das mulheres atendidas que eram contempladas pelo trabalho da casa. Os vídeos do ato evidenciam Vinicius negociando de forma pacífica com os guardas e André sendo segurado pelo braço sem resistir.

Além de prender injustamente dois militantes sociais, a Prefeitura de Curitiba optou por despeja uma Casa que presta serviço às mulheres vítimas de violência, numa conjuntura em que a violência contra a mulher vem apresentando uma escalada em todo país.

Para a advogada do movimento Luana Ganio, que estava presente durante a truculência da Guarda Civil, a ação da prefeitura é ilegal: “A manifestação da expressão popular é um direito constitucional de todo cidadão e cidadã. Ocupar os órgãos públicos cobrando o cumprimento das leis também. É o que foi feito pelas companheiras e companheiros do movimento e do partido. Porém, de forma contrária e ilegal agiu o estado, através da prefeitura e guarda municipal, detendo e punindo manifestantes pacíficos que estavam lutando por seus direitos e sem resistência física alguma”, afirma.

A militância da Unidade Popular está convocando uma vigília em frente à prisão que os militantes serão encaminhados. Está prevista uma audiência de custódia no dia de hoje, onde será definido o destino de Vinicius e André. A repressão em Curitiba é mais uma demonstração do autoritarismo dos governos liderados por políticos fascistas e do centrão no Paraná.

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Enquanto os bolivianos enfrentavam uma nova tentativa de golpe de Estado, nesta quarta-feira (26/06), o bilionário Elon Musk publicou em suas redes sociais uma enigmática mensagem com a foto de uma águia.

Para muitos norte-americanos, o animal é o símbolo do chamado “destino manifesto” do país, pelo qual se justificam intervenções em outras nações, militar ou politicamente – apesar de ter nascido na África do Sul, Musk vive nos Estados Unidos e se considera cidadão desse país desde que se estabeleceu em suas terras.

A publicação desta mensagem em meio a uma nova tentativa de golpe de Estado no país sul-americano é controversa, porque o bilionário já admitiu, anos atrás, seu envolvimento com um golpe de Estado também realizado na Bolívia, em 2019, que foi consumado, terminando com a queda do então presidente Evo Morales (2006-2019.

*Declaração pró-golpe"

A declaração anterior, que causou controvérsia, ocorreu em 2020, em meio a uma discussão a política dos Estados Unidos, na qual o tema boliviano surgiu de repente.

Ao criticar um pacote econômico anunciado nos Estados Unidos pelo presidente Joe Biden, Musk disse, em julho de 2020, que “na minha opinião, outro pacote de estímulo do governo não é o melhor interesse das pessoas”.

Um internauta respondeu a ele dizendo “sabe o que não interessa às pessoas? O governo dos Estados Unidos organizando um golpe contra Evo Morales na Bolívia para que você possa obter lítio lá”. Ao retrucar essa provocação, Musk revelou seu apoio ao golpe: “vamos dar golpe em quem quisermos! Lide com isso”.

A mensagem foi apagada dias depois, diante da repercussão negativa e questionamentos a nível global.

Vale lembrar que o bilionário é dono da Tesla, uma das maiores fabricantes de carros elétricos do mundo, e que requer grandes quantidades de lítio para a fabricação das baterias elétricas que permitem o funcionamento desses automóveis. Seu interesse na Bolívia se dá pelo fato de que esse país possui as maiores reservas de lítio do planeta.

Tentativa de golpe

O ex-comandante do Exército boliviano Juan José Zúñiga liderou uma tentativa de golpe nesta quarta-feira (26/06) contra o governo de Luis Arce. Com tanques grupos militares armados, os golpistas cercaram a Praça Murillo em La Paz, local no qual está situado o Palácio Presidencial do país.

No dia anterior, Zúñiga foi afastado do cargo que ocupava desde 2022 após ameaçar Evo Morales por se opor a uma possível candidatura do ex-presidente para a disputa das eleições de 2025.

Zúñiga e os militares invadiram o prédio falando em ‘recuperar a Pátria’.

Após esse primeiro momento, Arce denunciou uma “mobilização irregular de algumas unidades do Exército Boliviano”, enquanto Morales afirmou que os militares estavam “se preparando um golpe de Estado”.

A tentativa foi frustrada após Arce encarar o ex-general e dar posse a novos comandantes militares, sendo eles: José Wilson Sánchez Velasquez, no Exército; Gerardo Zabala Alvarez, na Força Aérea, e Wilson Ramírez, na Marinha.

Durante seu pronunciamento logo após a posse, o novo comandante do Exército, Sánchez Velasquez, ordenou que as tropas mobilizadas nas ruas durante o golpe voltassem imediatamente aos quartéis, o que foi cumprido pelos soldados que, minutos antes, estavam obedecendo a Zúñiga.

Por usa vez, o presidente Arce agradeceu aos bolivianos que se mobilizaram para rechaçar o golpe.

Eu sinceramente não acho que o Elon Musk tem nada haver com isso. Ele provavelmente apenas ficaria feliz com um golpe de estado que derrubasse um governo nacionalista. Não quero alimentar teoria da conspiração. Eu compartilho as notícias que eu vejo no feed das páginas que sigo.

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MULHERES – A Casa de Referência Inês Etienne Romeu, localizada na cidade de Cabo Frio (RJ), é um espaço de acolhimento para mulheres vítimas de violência e, nos últimos meses, vem sofrendo diversos ataques que visam intimidar a luta das mulheres.

Frente a esses ataques, o Movimento de Mulheres Olga Benário organizou, nesta segunda-feira (24), uma plenária em apoio à ocupação, para organizar respostas efetivas aos ataques que a casa vem sofrendo. A reunião contou com a presença de cerca de 50 apoiadores.

Casa de Referência Inês Etienne Romeu resiste

A ocupação Casa de Referência Inês Etienne Romeu existe desde novembro de 2023 e atua para denunciar a falta de políticas públicas para as mulheres na cidade de Cabo Frio e na Região dos Lagos, que é a segunda região mais perigosa para as mulheres no estado do Rio de Janeiro.

O imóvel encontrava-se sem qualquer tipo de função social há mais de uma década e em estado de completo abandono. Desde então, a casa foi completamente transformada a partir do trabalho voluntário e realiza importante trabalho entre as moradoras da cidade, especialmente no bairro do Itajuru, onde a casa fica localizada, oferecendo acolhimento para mulheres vítimas de violência e cursos e atividades culturais para a população.

Este trabalho pela vida das mulheres tem incomodado os setores mais reacionários da política da cidade. A ocupação sofre ataques sistemáticos desde novembro, quando começou suas atividades. Porém, esses ataques ganharam uma nova dimensão a partir do mês de março quando, na semana do dia 8 – Dia Internacional da Mulher -, o banner que identificava a casa foi queimado, e na, semana seguinte, o cadeado do portão foi violado.

Nas últimas semanas, a casa passou a sofrer de mais uma série de ataques sistemáticos, que buscam intimidar quem de fato constrói a luta em defesa da vida das mulheres na cidade. Políticos de extrema-direita propagam campanha contra a ocupação, e esses ataques ameçam diretamente a integridade das mulheres que constroem esse espaço.

Em um dia em que o Movimento de Mulheres Olga Benario realizava uma atividade de panfletagem e conversa com a população do bairro do Itajuru, nas imediações da casa, as militantes do movimento foram alvo de intimidações e contaram com o apoio de moradoras do bairro que apoiam o trabalho da Casa de Referência.

O último ataque aconteceu neste sábado (22), quando um grupo de homens, no meio da madrugada, vandalizou o muro da casa, pintando inteiramente de branco e cobrindo a pintura feita de forma voluntária pela artista Camila Santana, como uma forma de descredibilizar a ocupação.

Plenária organiza luta em defesa da ocupação

A plenária foi convocada no sentido de organizar uma resposta a esses ataques, tanto no sentido prático de organização da segurança da casa e de atividades de panfletagem na cidade para conversar com a população sobre os ataques que a casa tem sofrido nas últimas semanas. A mobilização também tem como objetivo organizar a cobrança pela cessão de uso do espaço, que foi prometida pela prefeitura desde o dia 25 de novembro do ano passado.

Diversos moradores estiveram na plenária para pensar a forma de construção de mais políticas públicas para a população. Uma pequena parcela de pessoas, que vieram protagonizando os últimos ataques, estiveram presentes na plenária para ameaçar a ocupação, inclusive com ameaças de incendiar o espaço. A plenária só pôde ser continuada quando, a partir de muita conversa, apresentação do trabalho do movimento e apoio dos moradores, esse grupo se retirou da ocupação.

A Casa de Referência Inês Etienne Romeu luta pela cessão de uso do espaço para que o poder público reconheça o espaço enquanto legítimo e tenha mais tranquilidade para continuar acolhendo as mulheres em situação de violência e oferecendo para essas uma oportunidade de emancipação política através da organização.

*Matéria em atualização.

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MULHERES – Nesta última segunda-feira (17), um ato histórico, encabeçado pelo Movimento de Mulheres Olga Benario de Mato Grosso, mobilizou diversos movimentos sociais e dezenas de pessoas em defesa dos direitos das mulheres, meninas e pessoas que gestam na Praça Alencastro em Cuiabá, contra o PL 1904, que ficou conhecido como o “PL do Estupro”. Sob esse viés, munidos de cartazes que denunciavam essa proposta de lei, manifestantes reuniram-se para fazer ouvir suas vozes e repudiar tal iniciativa.

O protesto iniciou com a confecção de cartazes que expressavam o repúdio ao PL 1904, evidenciando sua conexão com a defesa de pedófilos e estupradores, algo que vai contra qualquer senso de justiça e de moralidade. Com essas mensagens visíveis, os participantes abriram espaço para discursos, permitindo que aqueles presentes compartilhassem suas perspectivas, histórias pessoais e razões pelas quais consideravam crucial lutar contra tal legislação.

As palavras de ordem ecoaram pela praça, expressando a indignação com o PL 1904, e também apontando diretamente para os deputados de Mato Grosso que apoiaram esse Projeto de Lei vergonhoso. Em gritos de ordem de desaprovação, nomes como Abílio Brunini e Coronel Fernanda foram destacados como responsáveis pela aprovação da urgência desse PL.

O ato não foi apenas uma manifestação de resistência, mas também um momento de união entre pessoas comprometidas com a proteção dos direitos humanos e das mulheres, meninas e pessoas que gestam. Nessa conjuntura, a presença e participação de tantos cidadãos demonstraram a força da mobilização popular em face de políticas que ameaçam retroceder nas conquistas sociais e nos direitos fundamentais, especialmente os direitos de todas as pessoas que gestam.

Em sua fala durante o ato, a companheira Ana Dacol Pistori, do Movimento de Mulheres Olga Benario de Mato Grosso, enfatizou a importância do evento e relembrou as pessoas presentes sobre a importância da continuação da luta para além de barrar o PL: “A gente não pode deixar essa luta esfriar, gente. Essa é uma oportunidade da gente se mobilizar nas ruas pra pedir muito mais do que só o arquivamento desse Projeto de Lei. A gente precisa pautar de fato a legalização do aborto. (…) Só organizando as mulheres nós vamos alcançar os nossos direitos”.

Diante disso, este ato em Cuiabá não apenas marcou um dia de protesto, mas também fortaleceu a determinação de continuar lutando contra propostas que colocam em risco a segurança e a dignidade das mulheres. Foi um momento de solidariedade, conscientização e ação, lembrando a todos que a voz coletiva é uma poderosa ferramenta na busca por uma sociedade mais justa e igualitária.

O Movimento de Mulheres Marxistas Olga Benario, inspirado pela luta revolucionária, trouxe à tona a urgência de políticas públicas que garantam os direitos reprodutivos das mulheres, dessa forma, em parceria com a Unidade Popular, Partido político que tem como um dos pilares a defesa dos direitos sociais e a transformação estrutural da sociedade, o ato não apenas denunciou o PL 1904 como também convocou outros movimentos e coletivos feministas para se unirem na resistência.

Mas o que é o PL 1904?

O Projeto de Lei 1904/24, proposto pelo deputado reacionário Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), e que teve sua urgência aprovada por deputados da extrema-direita, prevê a proibição do aborto após da 22ª de gestação em qualquer caso. O PL equipara o aborto ao crime de homicídio e a pena pode chegar até 20 anos de prisão.

No Brasil, o aborto é legalizado desde a década de 1940 em três casos: quando a gravidez apresenta risco a vida da pessoa que gesta, quando a gravidez é fruto de estupro e quando o feto é anencéfalo, ou seja, quando há má formação no tubo neural do feto durante o seu desenvolvimento.

O PL 1904, conhecido por suas disposições retrógradas e restritivas, representa um retrocesso nos avanços conquistados pelas mulheres brasileiras ao longo das últimas décadas, logo, essa aberração em forma de PL quer criminalizar vítimas de estupro com pena maior que a do próprio estuprador, que, quando condenado, fica preso por no máximo 10 anos.

Por que somos contra o PL 1904?

O aborto já acontece no Brasil: de acordo com o Ministério da Saúde, a cada dois dias uma mulher morre em decorrência da realização do procedimento de maneira insegura. O aborto seguro é questão de saúde pública. Além disso, é uma injustiça de classe, tendo em vista que mulheres ricas realizam o aborto de forma segura em clinicas particulares, enquanto as mulheres pobres, pretas e/ou periféricas não tem acesso a esse direito, e ainda são ameaçadas por esse PL fascista.

Ademais, dados do SUS apontam que, no ano de 2021, mais de 17 mil meninas de até 14 anos se tornaram gestantes fruto de estupro, mesmo com a legislação ao lado dessas crianças e adolescentes vítimas de um dos crimes mais bárbaros que existem.

Além disso, direito não se retira, se amplia. O aborto, nos três casos citados mais acima, é legalizado há mais de 80 anos no país e hoje em dia é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). E, apesar de muitas pessoas que gestam terem esse direito negado pelo Estado em vários casos, não deixa de ser uma grande conquista da classe trabalhadora.

Portanto, não se pode retroceder, o aborto deve ser legalizado em todos os casos. As pessoas que gestam devem ter autonomia sobre seus corpos e decidirem se querem ou não levar a gestação adiante. A luta também deve caminhar no sentido de garantia de educação sexual nas escolas e divulgação e distribuição gratuita de métodos contraceptivos.

A luta pelo aborto seguro é uma luta anticapitalista

A luta pelo direito ao aborto é parte de uma luta maior contra a exploração capitalista e pela emancipação de todos os trabalhadores e trabalhadoras. Nessa perspectiva, o direito ao aborto não deve ser visto apenas como uma questão de saúde pública ou de direitos individuais, mas como uma questão de justiça social, uma vez que a criminalização do aborto afeta desproporcionalmente as mulheres pobres e trabalhadoras, que não têm os meios para acessar abortos seguros, e consequentemente, são forçadas a recorrer a métodos clandestinos e perigosos, colocando suas vidas em risco.

Portanto, essa é uma luta contra a exploração capitalista e patriarcal. Somente através da abolição do capitalismo e da construção de uma sociedade verdadeiramente justa e igualitária, uma sociedade socialista, onde a produção é organizada para atender às necessidades de todos, e não aos lucros de poucos, poderemos garantir verdadeiramente a liberdade e a igualdade para todas as mulheres.

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superlucros dos monopólios, que são modificados de acordo com os interesses de seus acionistas, aproveitando as possibilidades oferecidas pela legislação antipopular. Ao mesmo tempo, varrem para debaixo do tapete a enorme rentabilidade dos gigantes empresariais franceses e estrangeiros, que é garantida, antes de tudo, pela intensidade da exploração do trabalho e pelas inúmeras, e por todos os meios “legais” e institucionalizadas, isenções fiscais, para as quais eles não apenas fecham os olhos, mas também desempenham um papel de liderança na sua expansão.

Eles ainda pedem a “criação de uma verdadeira igualdade tributária europeia através da abolição dos incentivos recebidos injustificadamente pelos Estados europeus mais ricos. Alemanha, Holanda, Dinamarca, Áustria e Suécia devem pagar sua parte do orçamento europeu”. Essa é a preocupação da “Frente Popular”: Reivindicar melhores condições para o capital francês em competição com outros Estados!

Quanto aos salários, eles pedem medidas para tornar “transparência obrigatória dentro de cada empresa e estabelecer um salário máximo autorizado para reduzir a diferença de 1 para 20 que existe entre o salário mais baixo e o mais alto em uma empresa”. O programa carece até mesmo de declarações para aumentos salariais, especialmente nas condições atuais de alta nos preços. Pelo contrário, eles propagandeiam a equalização dos salários para baixo e chamam isso de “justiça”!

Em outros aspectos, eles se preocupam com a “democratização das empresas” e pedem “um limite na participação dos lucros distribuídos aos acionistas para uma melhor distribuição da riqueza!”. O que eles realmente dizem é que um capitalismo mais justo é possível, onde os lucros empresariais e as necessidades populares prosperarão ao mesmo tempo.

Em questões de guerra imperialista, o cerne de suas posições é a “autonomia estratégica” da Europa, que leva a uma maior militarização e intensidade da exploração, para que possa defender os interesses de seus monopólios de forma mais eficaz, complementar, é claro, à OTAN. Aqui, a identificação com o governo de Macron é mais que visível, enquanto as posições do partido de Le Pen também convergem para a mesma rota.

“Concordando em alinhar-se com a OTAN, a União Europeia faz parte de uma estratégia dos EUA para escalar tensões em todo o mundo (...) Recusamos qualquer alinhamento com outra potência”, eles acrescentam que é necessário “garantir a nossa autonomia geopolítica e militar”.

Nas condições atuais de uma nova crise iminente e preparativos para a guerra, com a UE e a França movendo-se para uma “economia de guerra”, as opções para o capital francês estão aumentando em face das eleições parlamentares, tanto para quem estará no comando do governo em políticas antipopulares, quanto para seu apoio de todos os partidos burgueses. Isso é realmente o que a “Frente Popular” na França também serve, revelando a floresta por trás da árvore das palavras de ordem antifascistas e confirmando o papel atemporal da social-democracia para a estabilidade do sistema.

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FPLP: CUBA ADERE AO PROCESSO CONTRA ISRAEL NA CIJ

A Frente Popular pela Libertação da Palestina (FPLP) aprecia o anúncio da República de Cuba de aderir ao processo movido pela África do Sul contra a ocupação sionista na Corte Internacional de Justiça (CIJ). O governo cubano descreve isso como um passo importante e corajoso que reafirma a posição histórica, firme e de apoio do Estado de Cuba aos direitos do povo palestino.

A adesão cubana ao processo judicial contra Israel na CIJ representa uma adição importante aos esforços que buscam responsabilizar a entidade sionista pelos crimes genocidas que continua cometendo na Faixa de Gaza, e continuar a pressão para parar esta guerra destrutiva travada com parceria americana e ocidental.

A Frente convida todos os países que apoiam os direitos do povo palestino a seguir o exemplo de Cuba e se unir aos esforços internacionais destinados a condenar a ocupação por cometer genocídio, e processar seus líderes e todos os envolvidos com eles, dos líderes ocidentais no Tribunal Penal Internacional (TPI), como um passo para deslegitimar esta entidade sionista.

COMUNICADO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE EM GAZA

Relatório estatístico periódico sobre o número de mártires e feridos devido à agressão sionista na Faixa de Gaza:

A ocupação sionista cometeu 3 novos massacres contra famílias na Faixa de Gaza, resultando em 47 mártires e 121 feridos que chegaram aos hospitais nas últimas 24 horas.

Várias vítimas ainda estão sob os escombros e nas ruas, e as equipes de ambulância e defesa civil não conseguem alcançá-los.

O número de vítimas da agressão subiu para 37.598 mártires e 86.032 feridos desde o dia 7 de outubro.

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A cidade de São Carlos (SP) presenciou uma manifestação no último sábado, 23 de junho, em resposta aos ataques recentes do vereador Paraná Filho (PP) contra a população LGBT+. O protesto, organizado em frente à praça XV de Novembro às 15h, atraiu membros da comunidade LGBT+, aliados, e ativistas de várias frentes, movimentos e partidos políticos.

A manifestação fez falas em um movimento de intervenção no intervalo do 2º Festival de Inverno da Praça da XV, evento da Prefeitura Municipal de São Carlos em cooperação com a Feira da Economia Solidária que estava acontecendo no momento do ato. Após fazer voltas na praça no meio da feira, o grupo se manifestou no cruzamento da Av. Dr. Carlos Botelho com a Rua Aquidaban.

Emerson Pavani, que faz parte da organização do evento que foi cancelado, disse em entrevista na manifestação que a organização do evento vai exigir a retratação da Prefeitura Municipal de São Carlos e a remarcação imediata do evento, mantendo inclusive o local em que o evento cancelado seria realizado no último domingo. "No vídeo que o vereador soltou, ele faz ameaças à prefeitura de São Carlos, dizendo que, se não tomassem providências, ele iria tomar", explica Emerson Pavani. Pavani complementa, afirmando categoricamente que o vereador cometeu um crime de homofobia e de intolerância religiosa.

Entenda o caso

O vereador Paraná Filho (PP) de São Carlos encabeçou uma campanha de desinformação, utilizando imagens que induzem ao erro e narrativas deturpadas para cancelar o "3º Encontro LGBTQIAPN+", que seria realizado no domingo, 23 de junho. Sob o pretexto de defender os "valores da família" e os "bons costumes", o parlamentar não hesitou em espalhar fake news. O ocorrido é uma demonstração clara de ataque às liberdades individuais, ao direito de expressão e mais uma ação reacionária contra a população LGBT+.

Nas redes sociais, o vereador Paraná Filho atacou a presença do artista "DJ S4TAN" no evento, alegando que suas músicas eram inaceitáveis por conter "palavrões, falas pornográficas e coreografias obscenas". Porém, a realidade é outra: líderes da comunidade LGBT+ e organizadores do evento expuseram as táticas de medo e desinformação do vereador, acusando-o de alimentar preconceitos e estigmatizar a comunidade.

Submissivamente, a Prefeitura de São Carlos cedeu à pressão política, cancelando o evento sob alegações frágeis de "questões de infraestrutura e segurança", sem sequer dialogar com os organizadores. A organização rapidamente refutou essa justificativa, denunciando a censura e a capitulação da administração frente à agenda homofóbica do vereador.

A polêmica intensificou-se quando Paraná Filho alegou que estava apenas exercendo seu papel de "fiscal do Poder Executivo" e que o cancelamento permitiria "um melhor planejamento do evento em local adequado". No entanto, para a organização do evento, suas ações são vistas como uma tentativa descarada de promover "pânico psicológico" e destruir a imagem de um artista, visando enfraquecer a luta pelos direitos da comunidade LGBT+.

O histórico do vereador Paraná Filho revela um padrão preocupante. O vereador já se envolveu em outros episódios de intolerância, incluindo um processo na Justiça Eleitoral por "violência política de gênero".

Sobre o ocorrido o próprio DJ S4tan, alvo dos ataques foi às redes sociais para se manifestar. "Não posso ignorar esse ataque direto à mim, as ofensas que venho recebido e muito menos a imposição de circunstâncias irreais sob a nossa comunidade e o nosso trabalho. Eu faço arte. E estou aqui para propagar a minha arte. Lembrem se que o estado é laico e esses apontamentos religiosos não condizem com a verdade, sendo apenas máscaras para disseminar LGBTfobia", afirmou o artista.

Para além dessa luta

A luta da população LGBT+ em São Carlos, intensificada pelos recentes ataques do vereador Paraná Filho, conecta-se de maneira profunda com combate a exaustiva escala de trabalho 6x1 no Brasil. Ambas as causas convergem na busca por dignidade, respeito e qualidade de vida para todos os trabalhadores, incluindo aqueles da comunidade LGBT+, que frequentemente enfrentam marginalização adicional no ambiente de trabalho. A opressão enfrentada por essa população não se limita à discriminação social e cultural, mas também abrange a exploração laboral e a precarização das condições de trabalho, exacerbadas por jornadas abusivas que comprometem sua saúde e bem-estar.

Assim como o Movimento VAT (Vida Além do Trabalho), que clama por uma revisão na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para proporcionar um equilíbrio entre vida profissional e pessoal, a luta LGBT+ também exige uma reforma nas práticas laborais que permita a todos, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero, uma vida digna além do trabalho.

A reivindicação por condições laborais mais humanas e inclusivas é essencial para combater as diversas formas de opressão e garantir que todos os trabalhadores possam desfrutar de seus direitos plenos. A convergência dessas lutas evidencia a necessidade de um debate público aberto e transparente, capaz de produzir políticas que promovam não apenas a saúde física e mental dos empregados, mas também a equidade e o respeito a todas as expressões de gênero e sexualidade.

Além disso, é fundamental que esse debate público, aberto e transparente, seja acompanhado por iniciativas populares que vão além de políticas públicas e que possam trazer soluções de auto-organização das trabalhadoras LGBTs contra essas opressões. Exemplos como a Batalha das Monas e as ocupações que se transformam em casas de acolhimento para pessoas LGBT expulsas de casa ilustram como a auto-organização pode oferecer apoio e proteção diante da marginalização e também iniciativas de cultura e lazer focados nessa população.

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1 – Vida e práxis política

William Edward Burghardt Du Bois foi filho único de Alfred Alexander Du Bois, barbeiro e trabalhador itinerante, e Mary Silvina Burghardt, dona de casa. Sua família era composta por fazendeiros e trabalhadores afro-estadunidenses da Nova Inglaterra. Seu pai tinha nascido no Haiti e migrado para os Estados Unidos, onde serviu como soldado unionista na Guerra Civil. Da parte materna, a ascendência de Du Bois vinha de uma tradicional família de negros livres, sendo o bisavô Tom, um escravizado africano que obteve a liberdade após Independência estadunidense. A partir dos dois anos de idade, Du Bois foi educado pela mãe e família materna, após o pai deixá-los, mudando-se para Connecticut, onde faleceu pouco depois.

Até os 17 anos, viveu em sua cidade natal, Great Barrington, no interior de Massachussetts, de população majoritariamente branca. A condição do negro na sociedade de classes dos EUA da segunda metade do século XIX aumentou o significado da formação educacional como via de ascensão, o que permitiu a Du Bois experimentar a confirmação precoce de suas habilidades intelectuais, bem como os limites sociais e econômicos que afetariam sua carreira acadêmica. Foi o primeiro estudante negro a concluir o ensino médio na escola preparatória de sua cidade natal, em 1884.

Durante os anos escolares, Du Bois já escrevia artigos para periódicos regionais, como Republican [Republicano] e Globe [Globo]. Aluno destacado, mas sem meios para cobrir as despesas universitárias, recebeu apoio do diretor da escola, que arrecadou doações para custear seu ingresso, em 1885, na Fisk University (Nashville, estado do Tennessee) – instituição surgida no fim da Guerra Civil com a proposta de educar a população negra, recentemente livre da escravidão. Ali, tornou-se editor do Fisk Herald [Arauto de Fisk], dando ênfase às contribuições vanguardistas dos afrodescendentes, além de ministrar cursos para comunidades negras do meio rural.

Os anos vividos no sul do país expuseram ainda mais o jovem estudante às contradições sociais de seu tempo – como o racismo e a pobreza. Em 1888, após graduar-se em Fisk, foi admitido na Harvard University (Cambridge, estado de Massachusetts), reduto educacional da elite do país. Lá, formou-se em Filosofia e História em 1890, defendeu o mestrado em 1891 e foi o primeiro afrodescendente da instituição a obter o doutorado – em História, no ano de 1895, com a tese The suppression of the african slave trade to the United States of America, 1638-1870 [A supressão do tráfico de africanos escravizados para os EUA], publicada no ano seguinte na coleção Harvard Historical Studies Series.

Entre 1892 e 1894, manteve também vínculo formal como aluno do curso de Economia da Universidade de Berlim (Alemanha), após obter uma bolsa de estudos. Apesar de cumprir a maior parte dos requisitos para a titulação, precisou interromper o curso e voltar para os EUA devido à falta de dinheiro. Então, deu aulas de estudos clássicos e línguas modernas por dois anos na Wilberforce University, (Ohio), instituição destinada a estudantes negros. Ali, conheceu a colega Nina Gomer, com quem se casou em 1896 e teve dois filhos.

A formação superior pluri-institucional de Du Bois, assim como seu trabalho docente fora da área em que se especializou, expressam as restrições sociais impostas para um pesquisador vindo de fora dos círculos dominantes da academia; por outro lado, estar fora dos grupos de poder lhe permitiu certo trânsito entre vários campos do conhecimento, predispondo o jovem intelectual à aposta em searas científicas diversas, muitas das quais ainda estavam em seu estágio inicial (caso da Sociologia). Neste percurso, ainda em 1896, ele recebeu o convite para ser professor auxiliar na University of Pennsylvania e para conduzir um estudo sobre o distrito de Seventh Ward na Filadélfia, região habitada majoritariamente por afrodescendentes e imigrantes.

Fazendo uso de métodos quantitativos, Du Bois desenvolveu uma pesquisa que resultou em um trabalho de referência sobre a condição de vida da população negra, publicado com o título The Philadelphia negro [O negro da Filadélfia] (1899) – com que se tornou o pioneiro no uso de abordagem sociológica para a compreensão do “problema negro” no país. Em seus estudos da época, o autor chamava a atenção aos fatores estruturais de ordem socioeconômica e racial que levaram a população negra à miséria após a escravidão. A partir de então, dedicou-se a variados estudos empíricos que abordaram as implicações do racismo na sociedade, destacando o valor das culturas de matriz africana.

Em 1897, assumiu o posto de professor de Sociologia na Atlanta University (Geórgia/EUA), onde permaneceu por 13 anos, dando início ao primeiro dos dois longos períodos em que permaneceu na instituição (o segundo seria entre 1934 e 1944, quando ocupou a chefia do Departamento). Ali, Du Bois organizou o curso de Sociologia e colaborou com a reformulação do currículo acadêmico; o apoio institucional aos seus projetos foi fundamental para se tornar um autor prolífico e promover o estudo das condições sociais das comunidades negras.

Além de sua carreira como docente e de suas pesquisas pioneiras, Du Bois se dedicou também à militância política e ao trabalho editorial. Em 1901, foi convidado por Booker T. Washington (ativista dos direitos civis) para participar do Tuskegee Institute. Contudo, logo percebeu que suas concepções políticas na luta contra o racismo eram divergentes da do líder, cujas ideias para a melhoria da condição de vida dos afro-estadunidenses se baseavam no incentivo à educação para o trabalho técnico, com vistas ao acúmulo gradual de riqueza – o que, para Du Bois, era uma “política acomodacionista”. Segundo ele, apenas uma concessão abrangente de direitos (voto, educação superior e cidadania) poderia garantir alguma ascensão social.

Afastou-se do grupo e, em 1905, organizou o Niagara Movement, com o apoio de William Monroe Trotter e outros desafetos de Washington. O novo coletivo tinha por princípios a defesa dos direitos sociais e civis para a população negra visando sua completa integração à sociedade. A agremiação, porém, teve curta duração (até 1909), devido à falta de recursos e ao acirramento da oposição dos antigos correligionários da Tuskegee.

Assim, em 1909, Du Bois criou o National Negro Committee e, no ano seguinte, a National Association for the Advancement of Colored People (NAACP) – organização com enfoque mais abrangente, multirracial (o que permitia maior possibilidade de financiamento) e com posições nitidamente contrárias ao movimento negro conservador – a qual absorveria os membros e o ideário do Niagara. Ele passou então a se dedicar integralmente à NAACP, abdicando da docência universitária para trabalhar na sede da organização, em Nova Iorque, como diretor de publicações e pesquisa.

Em 1910, Du Bois se filiou ao Socialist Party of America, do qual, entretanto, logo se afastou, em 1912, para apoiar Woodrow Wilson na campanha eleitoral – em que o candidato democrata prometia defender as causas negras, ao contrário de seu opositor, o presidente republicano William Taft (passivo diante violência sofrida pelos negros).

Quanto a sua atuação como editor, Du Bois dirigiu a partir desta época várias revistas de ampla circulação, tais como: Moon (1905-06); Horizon (1907-1910); o renomado The Crisis, editado desde 1910 pela NAACP, jornal que chegou a ter 100 mil exemplares em circulação (1920), com discussões em torno das relações raciais e cultura, e que se tornaria um veículo para a expressão de suas opiniões (aumentando as dissonâncias políticas dentro da organização); e, mais tarde, também o Phylon (1940-1944).

Após a I Grande Guerra, Du Bois se distanciou gradualmente da NAACP, ao mesmo tempo em que se aproximava do Communist Party of the United States of America (Partido Comunista dos EUA) e do marxismo. Passou a questionar com mais ênfase o ideário liberal, intrínseco ao repertório político da NAACP (demasiado moderado e dependente da filantropia); e, por outro lado, seu pensamento se radicalizou em direção à internacionalização do movimento antirracista – somando motivos para uma ruptura com a direção desta entidade. Tal evolução de seu pensamento se manifestou como resposta ao cenário calamitoso da Guerra no plano internacional, à expansão do colonialismo e à opressão dos africanos e afro-estadunidenses – o que expunha a dimensão global do “problema negro”, conferindo ainda mais sentido à ideia de pan-africanismo (movimento pela união transnacional de africanos e afrodescendentes).

A organização do I Congresso Pan-Africano, por Du Bois e correlegionários, aconteceu em Paris, em 1919, seguido por edições em 1921, 1923 e 1927. Os Congressos reuniram lideranças dos EUA, Caribe, África e Europa e, aproveitando-se do clima de união pela Paz no pós-guerra, permitiam que os descendentes diretos da colonização e do tráfico de africanos escravizados falassem publicamente por si, acerca de seus problemas. Na mesma época, Du Bois estabeleceu conexão significativa com o continente africano (que chamava “a casa dos afrodescendentes”), o qual visitou em 1923. Ademais, defendeu a participação dos africanos nos governos coloniais europeus na África.

Se por um lado, o movimento pan-africanista marcou uma era de solidariedade nunca antes vista entre a população negra mundial, por outro, evidenciou disparidades internas; algumas delas advindas da ascensão do jamaicano Marcus Garvey como liderança do movimento panafricanista – defendendo propostas de teor capitalista e nacionalista e esvaziando o sentido original das reuniões. O desapontamento com a militância antirracista neste espaço levou Du Bois a retomar sua vida intelectual na Atlanta University. Ademais, tornaram-se mais frequentes suas manifestações políticas no The Crisis, sendo que, em 1933, publicou declarações em favor do comunismo e em apoio à União Soviética – o que abalou as já frágeis relações com os demais membros da NAACP.

Em 1935, Du Bois publicou Black reconstruction in America [Reconstrução negra nos EUA], um dos maiores estudos acadêmicos sobre revolução e contrarrevolução.

Os posicionamentos heterodoxos de Du Bois sobre os meios de superação da segregação produziram reações, aumentadas pela radicalização de sua posição socialista. Por este tempo, ele deu suporte a agremiações comunistas, como o Southern Negro Youth Congress [Congresso da Juventude Negra Sulista] (1937-1949) – voltada ao amparo sindical e proteção de direitos civis. E, ainda, foi um grande apoiador do governo soviético de Josef Stálin – afirmando, em 1940, que, embora os métodos stalinistas fossem considerados impopulares, eram uma resposta necessária à ofensiva dos EUA contra a Revolução. De acordo com Du Bois, a solução definitiva do problema da desigualdade racial estava no marxismo: pensamento que conseguir explicar os problemas sociais a partir do vínculo entre os fatores econômicos e o desenvolvimento da civilização nos campos da religião, literatura e cultura.

Nos anos 1950, período de intensa perseguição anticomunista, Du Bois fez duras críticas ao sistema capitalista e, como parte de seu intento de universalizar a luta antirracista, visitou a URSS – onde foi recebido por Nikita Khrushchev (com quem promoveu a criação do Instituto para Estudos Africanos da Rússia) – e a China.

Porém, a partir da fundação do Peace Information Center [Centro de Informação para a Paz], criado para se opor às guerras, como a da Coreia, o governo estadunidense deu início a uma perseguição implacável ao marxista, que passou a ser monitorado pelo Departamento de Justiça do país, tendo seu passaporte apreendido e, logo, sendo encarcerado, acusado de vínculos com os soviéticos.

Ao retomar a liberdade, Du Bois passou a ser perseguido por suas convicções comunistas e ficou isolado dentro de seu próprio país – perdendo inclusive antigos aliados. Refugiou-se então, em seus últimos anos, em Gana, para onde se mudou em 1961, a convite do então presidente Kwame Nkrumah (1909-1972), naturalizando-se. Porém, a partida para a África não ocorreu sem antes realizar um dos seus feitos mais significativos no contexto persecutório dos Estados Unidos: sua filiação ao Partido Comunista dos EUA, em 1961, por meio de uma carta na qual afirmou ser o socialismo a única esperança viável à paz mundial e à libertação da população negra, ponderando que “o capitalismo não pode reformar-se a si próprio” e que o comunismo é “o esforço” para dar a todos “aquilo de que necessitam”, assim como para demandar de todos “o melhor com que cada qual pode contribuir”.

Seus últimos anos de vida na capital ganense, Acra, não amenizaram sua dedicação ao estudo das questões raciais e de classe envolvendo a população negra global. Por este tempo, fez parte da Academia de Ciências de Gana e trabalhou no projeto de elaboração de um antigo projeto, a escrita de uma enciclopédia africana (Encyclopedia Africana) – inconclusa até sua morte –, além de finalizar sua última autobiografia (publicada em 1968). O autoexílio no país africano foi também simbólico do processo de radicalização de ideias que marcaram sua trajetória política: a recusa de se interpretar o “problema negro” pelo viés nacionalista ou desvencilhado da questão socioeconômica.

A saúde de Du Bois logo piorou, e ele faleceu em 17 de agosto de 1963, com noventa e cinco anos, na véspera de uma grande marcha por direitos civis. Sua morte foi anunciada nos EUA diante da mesma multidão que assistia ao histórico discurso de Martin Luther King – pondo em evidência a grandeza da trajetória política e intelectual do militante comunista e antirracista. Foi sepultado perto de sua casa, em Acra (onde, em 1985, seria criado o Du Bois Memorial Centre).

2 – Contribuições ao marxismo

O personagem em questão é um dos maiores expoentes intelectuais da luta antirracista no contexto americano, além de um dos pioneiros da articulação teórica entre marxismo e luta contra discriminação racial. Pelas ideias de “linha de cor” e “dupla consciência”, por exemplo, Du Bois ousou suplantar barreiras estabelecidas no pensamento científico de sua época, abrindo caminho para que o processo de “racialização” fosse tratado do ponto de vista da população negra estadunidense. Se no primeiro conceito vemos uma manifestação dos mecanismos estruturais do racismo na produção de desigualdades, no segundo, temos a definição do autor sobre a condição dúbia do “ser negro”, que envolve a experiência racista transnacional e o desejo de pertencimento à nação estadunidense.

As formulações teóricas de Du Bois receberam os contornos dos tempos históricos e conjunturas de exclusão por ele vividos. Nascido no imediato pós-Guerra Civil dos EUA, migrou para o Sul do país, presenciando a criação das racistas leis Jim Crow, a segregação e a violência racial. No plano internacional, foi testemunha das disputas colonialistas pelo continente africano, assim como das tensões do início do século XX.

Em seu doutorado, desenvolveu pesquisa sobre o tráfico transatlântico de escravizados (1895). Dedicou-se posteriormente a pensar sociologicamente a questão do negro, produzindo então as primeiras obras voltadas a análises sócio-históricas que traziam a articulação entre os fatores de raça e classe. Em The study of the negro problems (1898) e em The Philadelphia negro (1899), propôs uma forma inédita para compreender o “problema negro” como aspecto sintomático da configuração social instalada historicamente no Norte dos EUA, expondo o conceito de “linha de cor” – uma estrutura de opressão fundada no racismo e exclusão social, típica do modelo capitalista, que trazia consigo as heranças do comércio escravista global. O “problema negro”, portanto, representava uma série de discriminações entrecruzadas, derivadas dessa estrutura, e que refletiam em condições de precariedade no acesso a direitos (educacionais, de moradia, de trabalho, de saúde e políticos).

A preocupação do autor era pensar a questão do negro pelo viés da estrutura de opressão sociorracial. Se seus primeiros escritos ainda carregavam uma espécie de “esperança liberal” (que vinculava a ascensão popular ao mérito), isto não pode ser desvencilhado da época de sua formação, quando a pseudociência evolucionista ganhava espaço e, na política, dava-se o auge da propaganda liberal. Mesmo assim, seu pensamento desde cedo produziu inovações, o que se vê em sua busca por interpretar a questão do negro com base em elementos sociais – recusando a racialista perspectiva biológica eugenista.

O protagonismo de Du Bois no ativismo negro, a partir da década de 1890, também reflete esse momento político. Tanto o Niagara Movement, quanto a NAACP surgiram do impulso de denunciar a violência racial; porém, não avançavam na proposição de reformas de impacto que pensassem a situação dos negros dentro da dimensão capitalista.

Foi especialmente a partir da I Guerra que se deram os sinais mais evidentes da filiação de Du Bois ao pensamento marxista, época em que o mundo assistia as consequências devastadoras da política colonialista – a que se seguiram a Revolução Bolchevique, a ascensão dos fascismos, e, no cenário interno dos EUA, os efeitos da Grande Depressão. A crise capitalista afetava sem piedade a população pobre e negra; a democracia liberal, tão creditada como via de uma sociedade mais justa, mostrava sua face pérfida no agravamento das clivagens de cor e de classe, próprias da ordem capitalista. Neste ínterim, Du Bois já havia ingressado no Partido Socialista e transitado o suficiente pelo continente europeu para passar a enfatizar que a superação do problema do negro não se efetivaria longe de reformas socioeconômicas radicais. Sua desilusão com a “esperança liberal” de outrora é narrada em registro autobiográfico, em que cita o conhecimento da realidade da URSS como experiência determinante para sua aproximação do socialismo.

Neste delicado momento político, contexto marcado pelo macarthismo e violência racial, a maior parte das contribuições teóricas de Du Bois aborda o marxismo de forma indireta – com exceção de suas ficções, relatos autobiográficos, da monografia The negro (1915) e de seu clássico Black reconstruction (1935), além de algumas publicações no jornal The Crisis (que permitem acompanhar o teor dos debates travados com os movimentos negros e o Partido Socialista).

Em “Marxism and the negro problem” [“O marxismo e o problema do negro”], “Karl Marx and the negro” [“Karl Marx e o negro”] e “Socialism and the negro problem” [“O socialismo e o problema do negro”], artigos publicados em 1933 no The Crisis, Du Bois estabelece uma espécie de mediação pela aproximação de ambos os polos de militância – o socialismo e o ativismo negro – apontando as incongruências de se separar as causas. Tomando por base a própria nomenclatura marxista, ele oferece um panorama da classe trabalhadora que, sendo fundamentalmente negra, se encontrava dividida por razões raciais; praticamente inexistiam burgueses e exploradores negros, além do fato de que a classe de trabalhadores negros enfrentava quadros mais graves de precariedade, fosse pela herança da escravidão ou pelas discriminações cotidianas. Esse é o ponto crucial de sua percepção sobre o insucesso da difusão das teorias socialistas entre o proletariado, uma dificuldade de coesão que afetava a dita consciência de classe, necessária para as transformações estruturais – o que repercutia na adesão ao Partido Socialista (ainda vacilante em reconhecer a cor da classe trabalhadora, tornando-se radicalmente “antirracista”).

Na percepção de Du Bois, o marxismo não foi formulado com vistas a ser aplicado de modo uniforme em todas as partes do mundo. Ainda que o sistema capitalista global operasse de forma comum na produção de clivagens socioeconômicas, o marxista entende que cada realidade apresentava formatos particulares da luta classes, devido aos processos históricos e ações humanas que resultaram em conjunturas de desigualdade distintas.

No caso dos EUA, a herança colonial e escravista relegou marcas decisivas aos grupos negros – traço por sua vez apontado nos próprios escritos de Marx, quando, em carta dirigida ao presidente A. Lincoln, na época da Guerra da Secessão, refletiu a respeito das mazelas trazidas pelo sistema escravista ao sistema social, político e econômico estadunidense. Esta guerra, por conseguinte, é compreendida por Du Bois para além do conflito, como importante experiência revolucionária – enquanto a era de segregação, ocorrida após a libertação do povo negro, ganha conotação de onda contrarrevolucionária (o que se vê, entre outros textos, em The souls of black folks, de 1903).

Já nos anos 1930, as reflexões de Du Bois sobre o marxismo evidenciam seu momento de reflexão sobre o ativismo antirracista, em uma espécie de autoavaliação, dado seu protagonismo em organizações como a NAACP. Entende que o fim da “linha de cor” só seria alcançado pela superação do fator econômico, através de reformas sociais que estabelecessem os direitos básicos às classes trabalhadoras; a socialização das riquezas e o estabelecimento da igualdade socioeconômica são vistos como ponto de partida para a superação das divisões raciais. Essas percepções contrastavam com boa parte dos núcleos de militância negra de sua época, cujas propostas estavam marcadas pelo individualismo liberal (com sua crença na educação e esforço individual como solução para a pobreza e o racismo).

O pensamento de Du Bois também apresenta elementos de debate com as interpretações marxistas de sua época, no que se refere aos caminhos para a superação do racismo e desigualdade socioeconômica. Além dos inconformismos com o Partido Socialista pela resistência em se tratar com radicalidade o “problema negro”, o marxista estadunidense questionava a ideia de que os processos revolucionários deveriam ser promovidos pelas armas: “a guerra é péssima e o inferno não traz avanços no mundo” – uma visão que reflete o peso em seu pensamento que tiveram os trágicos eventos bélicos por ele experienciados.

3 – Comentário sobre a obra

A vasta produção intelectual do marxista negro W. E. B. Du Bois compreende a complexidade de sua formação nas humanidades: com trânsito pela sociologia, história e literatura. O autor reúne mais de três dezenas de livros, os quais incluem resultados de estudos, autobiografias, obras de ficção e coletâneas de textos, além de dezenas de artigos publicados em periódicos científicos. Comentamos a seguir algumas obras de maior circulação e impacto.

Na década de 1890, se dá a publicação de seus primeiros estudos dedicados ao “problema negro” – isto é, aos diversos fatores de exclusão responsáveis pela marginalização da população afro-descendente. Em “Study of the negro problems” [“Estudo sobre os problemas do negro”] (The Annals of the American Academy of Political and Social Science, v. 11, jan. 1898) e The Philadelphia negro (Filadélfia: Univ. Pennsylvania Press, 1899), traduzido como O negro da Filadélfia (Belo Horizonte: Autêntica, 2023), Du Bois sustenta com um volume expressivo de dados empíricos a tese de que a condição social da população negra dos EUA era o resultado de fatores estruturais como o racismo e a desigualdade – percepções contrárias à ciência hegemônica de sua época, contaminada pelas falsas ciências eugenista e evolucionista social, que com sua noção biologizante de raça responsabilizavam os próprios negros por suas mazelas.

Posteriormente, temos em 1903 o lançamento do mencionado clássico do autor: The souls of black folks (Chicago: A. C. McClurg e Co., 1903), traduzido ao português em duas edições distintas: primeiro como As almas da gente negra (Rio de Janeiro: Lacerda Editora, 1999); depois como As almas do povo negro (São Paulo: Veneta, 2021) – versão com prefácio de Silvio Almeida (um dos responsáveis pela disseminação do conceito de “racismo estrutural” no Brasil). No livro, Du Bois expõe de modo pioneiro a ideia – hoje amplamente aceita no cenário intelectual – de que os processos históricos que geraram a modernidade resultaram em estruturas de opressão de consequências longevas, sobretudo para a população negra. Além disto, já adepto do marxismo, ele oferece uma interpretação histórica original da Guerra Civil dos EUA, abordando o conflito como uma experiência revolucionária. Numa linguagem poética e emotiva, mistura análise histórico-sociológica, elementos autobiográficos e ficção, traços que contribuíram para posicionar a obra em lugar de destaque na literatura afro-estadunidense.

A influência teórica do marxismo, no período que compreende as décadas entre 1890 e 1910, é pouco explicitada, por vários motivos que vão da ascensão do macartismo à intensificação da violência racial. Além disto, o autor demonstra ainda uma espécie de “esperança liberal” – ao creditar ao “talento” o “crescimento” (“uplift”) pessoal do negro, o que fica visível no conceito de “décimo talentoso” (“talented tenth”) – uma maneira de identificar perspectivas de ascensão social na sociedade capitalista e racista que passavam fundamentalmente pelo esforço individual. A noção, além de figurar nas obras já apresentadas, compõe a coletânea Talented tenth: second chapter of ‘The negro problem’, a collection of articles by african americans (N. Iorque: James Pott, 1903), complementação de sua anterior obra analítica de 1898.

Por outro lado, se à época a crítica social de matriz marxista aparece de forma parcimoniosa nos escritos científicos, ela é bastante evidenciada nos romances. Aqui, vale lembrar de Darkwater: voices from within the veil [Água turva: vozes através do véu] (N. Iorque: Harcourt Brace, 1920), uma antologia de contos, ficções e relatos autobiográficos, cujo título faz menção à noção de “véu”, metáfora conceitual destinada a sintetizar a exclusão social e o preconceito de cor, já evidenciada nos escritos anteriores. Nos escritos, avalia as consequências devastadoras das clivagens de cor e classe.

Já com John Brown (Filadélfia: George W. Jacobs, 1909), Du Bois investiu na construção de um relato biográfico, fornecendo uma interpretação cultural da vida do líder abolicionista e mártir na luta contra a escravidão que precipitou a Guerra Civil.

Alguns estudiosos demarcam na monografia The negro, de 1915, uma guinada explícita de Du Bois em direção ao marxismo. Nela, assim como em sucessivas obras sobre a história do negro, o autor desloca o olhar analítico do quadro local dos EUA, ao plano internacional, observando os efeitos do expansionismo colonialista, do tráfico transatlântico de escravizados e da exploração do continente africano. Tais traços reafirmam sua abordagem estruturalista do racismo, mas também consolidam outro elemento marcante de sua contribuição teórica: a ideia de “dupla consciência”, uma percepção do “ser negro” como identidade dúbia, de dimensões globais e nacionais. A compreensão de Du Bois acerca da identidade negra, de aspecto transnacional, se relaciona a sua militância política: de um lado o pan-africanismo, do qual foi um dos idealizadores; de outro, o comunismo, em favor do qual se posicionou no decorrer da vida.

Também representativos da perspectiva marxista de Du Bois e de seus debates com o Partido Socialista foram as publicações no jornal The Crisis, no qual ele exercia a chefia editorial. Neles, o autor estabelece uma espécie de mediação entre o socialismo e o ativismo negro de sua época, compreendendo-os como parte de um mesmo ideal. Oferece ainda uma avaliação sobre o proletariado estadunidense, considerando os problemas interseccionais que afetavam a população negra, tendo por base o referencial marxista. Neste quesito, em Karl Marx and the negro [Karl Marx e o negro], de 1933, ele reflete sobre a construção da sociedade pós-Guerra Civil, evidenciando que o passado escravista e o problema racial não foram traços negligenciados por Marx ao pensar o contexto das Américas.

As problematizações acerca do peso da Guerra Civil, o processo de conquista de direitos da população negra, assim como a intensificação da violência racial do momento conhecido como “Reconstrução Estadunidense” são questões trabalhadas com mais fôlego em Black reconstruction in America [Reconstrução negra nos Estados Unidos da América] (N. Iorque: Harcourt, Brace and Company, 1935). A obra permite verificar como a teoria marxista foi empregada pelo autor para pensar o caso específico dos EUA em quesitos como luta de classes, revolução, contrarrevolução, superestrutura e agência humana. Du Bois toma o conflito como experiência revolucionária e, ao mesmo tempo, como ponto de partida dos reacionarismos vividos com a segregação, desenvolvendo uma abordagem original que compreende o escravizado como componente da classe trabalhadora (e não mera propriedade).

Das obras publicadas na fase final de sua vida, ganham destaque os registros autobiográficos, nos quais Du Bois, mais do que realizar compilações de eventos de sua trajetória, combina análises sociológicas e históricas das fases de sua formação e vida política. Um exemplo disso se encontra em Dusk of dawn: an essay toward an autobiography of a race concept [Crepúsculo do amanhecer: ensaio em torno de uma autobiografia do conceito de raça] (Nova Iorque: Harcourt Brace, 1940). Nele, Du Bois desenvolve uma narrativa na qual ele próprio é sujeito e analista, para desenvolver o conceito de “raça” em suas dimensões sócio-históricas. Ali também se encontram os detalhes mais precisos de suas impressões sobre o marxismo em relação ao “problema negro”, assim como uma análise amadurecida de sua trajetória enquanto intelectual e militante.

Já em, 1961, período em que estava de mudança para Gana, Du Bois escreveu uma carta ao Partido Comunista dos EUA – “Letter from W. E. B. Du Bois to Communist Party of the U.S.A.” (https://credo.library.umass.edu) – requerendo sua adesão. Na correspondência, afirma que seu caminho em direção ao comunismo foi lento e que, ainda que se considerasse desde há muito um socialista, não tinha estudado sistematicamente a obra de Marx durante sua formação inicial; mas que, após sua desilusão com o Partido Socialista e leituras mais aprofundadas do marxismo, bem como com suas visitas a países socialistas e com a experiência de viver nos EUA durante a Guerra Fria, tinha percebido com nitidez a incapacidade do capitalismo se reformar. Paradoxalmente, foi justamente quando o comunismo se tornou crime nos EUA que Du Bois fez questão de assumir para o mundo sua convicção enquanto comunista – por meio de uma carta que, mais do que um pedido de filiação, é um manifesto contra a criminalização da utopia concreta de uma sociedade sem classes e emancipada.

Sua última autobiografia, The autobiography of W. E. Burghardt Du Bois [A autobiografia de W. E. Burghardt Du Bois] (N. Iorque: International Publishers, 1968) foi concluída nas vésperas de seu falecimento (1963) e publicada postumamente. Nela, seguindo a toada de textos anteriores, mistura à narrativa autobiográfica elementos de análise dos processos históricos que atravessou, dando ênfase à crítica social sempre acompanhada pelo viés da “linha de cor”.

Em língua portuguesa, cabe menção a traduções de seus artigos no jornal The Crisis, recentemente publicados na revista Crítica Marxista, em dossiê intitulado “W. E. B. Du Bois: Marx, o marxismo e o comunismo” (Crítica Marxista, n. 53, 2021), organizado por Sávio Cavalcante e disponível na rede (www.ifch.unicamp.br), incluindo textos como: “O marxismo e o problema do negro” (1933), no qual questiona uma luta negra nos moldes liberais, defendendo a ideia da luta de classes.

Há também em português sua já apresentada carta ao Partido Comunista dos EUA: “Por que me tornei um comunista” (2020), disponível no portal da filial brasileira da revista estadunidense Jacobin (jacobin.com.br).

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A denúncia da África do Sul contra Israel no Tribunal Internacional de Justiça de Haia ganhou mais uma manifestação de apoio de Cuba. A ilha caribenha reforçou nesta, sexta-feira (21/06), que defende a acusação de crime de genocídio cometido pelo Estado israelense contra o povo palestino na Faixa de Gaza. Outros países da América Latina, como Brasil, Colômbia, Bolívia, Venezuela, Chile e Nicarágua, também já se manifestaram favoráveis à queixa.

O governo cubano já havia manifestado apoio à denúncia anteriormente. Agora, porém, o posicionamento deixa de ser declarativo. Com isso, o país passa a exercer o direito de comparecer em tribunal e emitir opinião durante o julgamento.

“Cuba fará uso do seu direito de apresentar, enquanto Estado Terceiro, a sua interpretação das normas da Convenção que Israel violou flagrantemente com as suas ações no território palestino ilegalmente ocupado da Faixa de Gaza”, diz o comunicado do Ministério das Relações Exteriores.

O órgão afirma que o processo “tem como principal objetivo pôr termo às atrocidades cometidas contra o povo palestino em consequência do uso desproporcionado e indiscriminado da força por parte de Israel”.

O texto diz ainda que Israel conta com “total impunidade” e “cumplicidade do governo dos Estados Unidos”. A nota acrescenta que “o genocídio, o apartheid, a deslocação forçada e a punição coletiva não têm lugar no mundo de hoje, nem podem ser tolerados pela comunidade internacional. A justiça e o respeito pela Carta das Nações Unidas e pelo direito internacional devem prevalecer”.

Apresentado em dezembro passado à mais alta corte da Organização das Nações Unidas (ONU), o processo da África do Sul argumenta que as ações perpetradas pelo Estado de Israel são de “natureza genocida”, já que “se pretendem destruir uma parte substancial do grupo nacional, racial e étnico palestino”.

No documento de 84 páginas apresentado pelo país africano, afirma-se que esses “atos de genocídio fazem inevitavelmente parte de um contínuo”, a par de vários crimes de guerra, tais como “ataques intencionais contra a população civil, objetos e edifícios civis dedicados à religião, à educação, à arte, à ciência, monumentos históricos, hospitais e locais onde os doentes e feridos são recolhidos”.

“Uma postura internacionalista e solidária”

Em entrevista ao Brasil de Fato, Akram Samhan, embaixador da Palestina em Cuba, afirma que a posição de Cuba é coerente com “a solidariedade que o povo e o governo sempre tiveram com a causa palestina”.

“Cuba sempre teve uma posição internacionalista e de solidariedade com o nosso povo. Em todas as cidades cubanas se organizaram manifestações contra o genocídio”, lembra.

Samhan cita que o próprio presidente Miguel Díaz-Canel tem convocado e liderado estas manifestações nas ruas exigindo um cessar-fogo e a favor de uma solução para a causa palestina. “O presidente chegou mesmo a se reunir com estudantes palestinos em Cuba, convidando-os a irem ao palácio da revolução para ouvi-los e apoiá-los nessa situação terrível que eles e as suas famílias estão a atravessar”, destaca.

Desde meados da década de 1970, Cuba concede anualmente bolsas de estudo a jovens palestinos para estudarem na universidade na ilha. Atualmente, há mais de 250 deles que estudam medicina em Cuba. Muitos vêm da própria Faixa de Gaza, onde os seus familiares e amigos tentam sobreviver dia a dia.

“Com esta declaração, Cuba junta-se à pressão exercida pela África do Sul para que o Tribunal Internacional de Justiça intervenha a favor de um cessar-fogo total e não apenas temporário. Pressão para que as forças de Israel se retirem do território onde estão a perpetrar este genocídio. Para que a ajuda humanitária chegue à Faixa de Gaza e para que todos os refugiados possam regressar às suas casas”, pontua.

No final de maio, o Tribunal Internacional de Justiça emitiu novas medidas provisórias exigindo a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza, assim como o fim dos bombardeios e ataques à cidade de Rafah. Resoluções a que o Estado de Israel desobedeceu impunemente.

Os números do horror

De acordo com a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA), desde o início de maio, quando o Estado de Israel decidiu lançar a sua incursão militar contra Rafah, cerca de 800.000 pessoas foram deslocadas. Até então, Rafah era o único local onde os mais de 1,9 milhões de Palestinos deslocados não estavam sob o cerco dos bombardeios.

Após mais de oito meses de ofensivas do Estado de Israel na Faixa de Gaza, mais de 37 mil pessoas foram assassinadas, segundo o Ministério da Saúde da Faixa de Gaza. Calcula-se que mais de metade sejam crianças. De acordo com cálculos oficiais, 60% das casas foram destruídas. E mais de 10.000 pessoas encontram-se desaparecidas, podendo estar sob os escombros.

Por outro lado, desde 7 de outubro, as forças de segurança de Israel em conjunto com os colonos foram responsáveis pelo assassinato de mais de 500 Palestinos nos territórios ocupados da Cisjordânia.

Recentemente, foi publicado o primeiro relatório oficial da Comissão Internacional Independente de Inquérito das Nações Unidas sobre o Território Palestino Ocupado – incluindo Jerusalém Oriental – e Israel. A comissão conclui que Israel cometeu crimes contra a humanidade, utilizando a fome como método de guerra e infligindo castigos coletivos em Gaza.

“O imenso número de vítimas civis em Gaza e a destruição generalizada de bens e infraestruturas civis são o resultado inevitável de uma estratégia empreendida com a intenção de causar o máximo de danos, ignorando os princípios da distinção, da proporcionalidade e das precauções adequadas”, afirma a Comissão.

Pressão internacional

Apesar da contínua e histórica desobediência do Estado de Israel às resoluções da ONU e às medidas adotadas pelo Tribunal Internacional de Justiça, Akram Samhan afirma que decisões como a de Cuba ajudam a “gerar pressão”.

“A decisão de Cuba faz parte de vários esforços para gerar pressão sobre as grandes potências, especialmente os Estados Unidos, que acabam por permitir que o Estado de Israel continue com o genocídio”.

Nestes esforços de visibilidade e pressão, Samhan destaca o papel da mobilização popular. “Vimos como as pessoas, os jovens em muitos países do mundo, desempenharam um papel importante ao pressionar e obrigar os seus governos a pronunciarem-se a favor do fim deste massacre e desta guerra sangrenta que Israel está fazendo contra o nosso povo”, finaliza.

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BRASIL – Em mais um ataque aos direitos de crianças e adolescentes, deputados de direita e fascistas querem aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição que permitirá aos adolescentes a partir de 14 anos assinarem contrato de trabalho e crianças menores de 14 anos poderiam trabalhar na condição de aprendizes. Hoje, a Constituição permite que jovens a partir desta idade sejam apenas aprendizes, ou seja, que possam trabalhar desde que estejam estudando, sendo vedadas atividades insalubres.

Ao invés de combater o trabalho infantil, de propor soluções para as crianças que estão nas ruas das grandes cidades, que são obrigadas a trabalhar, em alguns casos, em regime de escravidão, os deputados fascistas querem legalizar esta exploração. Nada de novo vindo de um grupo de parlamentares que querem também que crianças vítimas de estupro não possam realizar aborto legal no país.

De acordo com o relatório do deputado fascista Gilson Marques (NOVO-SC), a Constituição teria a seguinte redação sobre o trabalho infantil: “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz.”

Ou seja, a partir de 14 anos qualquer jovem poderá ser contratado em regime de trabalho normal, excetuando as situações de trabalho noturno e insalubre. Abaixo dessa idade, as crianças poderiam ser contratadas na condição de aprendiz, com salários menores, o que ocorre hoje com adolescentes de 14 a 18 anos.

Fim do trabalho infantil é conquista histórica dos trabalhadores

Os comunistas e a classe trabalhadora mundial, desde 1848, se mobilizam contra o trabalho infantil. No Manifesto do Partido Comunista, Karl Marx e Friedrich Engels propunham a “educação pública e gratuita de todas as crianças, abolição do trabalho das crianças nas fábricas, tal como é praticado hoje.”

Desde então, após décadas de greves, lutas e revoluções, os trabalhadores conquistaram este direito às crianças em muitos países. Ainda assim, com o avanço do capitalismo no mundo, cada vez mais crianças são forçadas a trabalhar para sobreviver.

No nosso país, por causa das lutas dos trabalhadores contra a Ditadura Militar Fascista, a burguesia foi forçada a aceitar a proibição do trabalho infantil na Constituição de 1988, mas impôs a lei da aprendizagem, a partir do 14 anos. Antes, a Constituição da Ditadura impunha o trabalho às crianças a partir dos 12 anos.

Ou seja, a proposta dos fascistas e do Centrão é retroceder 50 anos nos direitos das crianças e adolescentes do Brasil. Assim como querem retroceder 70 anos nos direitos das mulheres, querem o mesmo com nossas crianças. Para os fascistas, lugar de criança não é na escola, mas submetida à exploração.

É preciso ampliar a mobilização do povo contra o fascismo, pois estes só querem morte, destruição e exploração dos trabalhadores para garantir os lucros de meia dúzia de bilionários.

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Reproduzimos abaixo uma entrevista realizada pelo correspondente local de AND do Agreste Pernambucano com camponeses da Área Revolucionária Renato Nathan, localizada em Messias, no Estado do Alagoas.

Os camponeses estão sob ameaça de despejo, e relataram ao AND acerca da produção e da direção da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) nas lutas que se desenvolvem no local.

Em entrevista na Área Revolucionária Renato Nathan em Messias/AL, em meio as ameaças de despejo do judiciário, os camponeses organizados pela Liga dos Camponeses Pobres (LCP) há quase duas décadas nos contaram sobre sua vida, produção e luta. Um camponês nos relatou o seguinte sobre a sua produção:

“A gente chegou aqui e chegamos no mato, né? Não tinha dono e tal… E a gente começou a plantar coqueiro, plantar laranja, caju, manga, acerola, graviola, macaxeira, milho… Duas vaquinhas de leite para fazer um queijozinho para vender… Que a gente também sobrevive do queijozinho, que a gente vende aqui um queijozinho todo dia. E vai vendendo ao povo daqui mesmo da cidade né… E umas galinhas, umas cabras lá atrás…. E dois tanques de peixe, que é o normal que tem de ter, né? Um peruzinho, uma coisa… E um carrinho velho para trabalhar, né? E assim a gente vai tocando a vida… A gente não vive no chão, a gente alimenta a cidade. […] porque a cidade depende daqui da gente. “

Demonstrando em sua fala a importância da Área Revolucionária, não apenas para os próprios camponeses, mas para os moradores da cidade em geral que se beneficiam da produção camponesa. Outro camponês nos contou como era na região antes do corte popular:

“Bom, quando eu cheguei aqui, na verdade aqui não tinha nada. Isso aqui não tinha nada, não tinha um pé de jaca, não tinha nada que você ficasse debaixo. O que tinha era só capim, só capim e capoeira. Era o que existia aqui no Lajeiro. Então… A gente chegou, tinha uns pessoal aí que começou a plantar uma rocinha ali, mas não conseguia colher… Plantava, o povo roubava. Aí aqui era desova de animais, depois foi desova de ser humano. Eu não estava presente não, mas encontraram o cadáver por aí, chamaram a polícia e tal… de vez em quando encontrava pessoas desovadas aqui, nessa área aqui, porque era desabitado, isso aqui era desabitado.”

Perguntamos acerca da Liga dos Camponeses Pobres e um dos entrevistados nos respondeu sua avaliação sobre o movimento camponês:

“Muito boa! Olha, a Liga, essa Liga daqui é uma família. É uma família junto mesmo, porque ninguém tem o poder só porque é presidente nem cresce mais do que ninguém. Porque é um, que nem o dirigente mesmo, que é um batalhador. Ali é um batalhador, vive só batalhando pelos outros. E não batalha para ele, batalha para os outros, né? Como muitos que tem na liga, né? Entendeu? Só pega a terra para o povo trabalhar. Conviver, eu acho que tá muito bom, muito, muito, muito bom. Não tem que falar da companheira coordenadora, minha amiga. Não, ela não fala como presidente com ninguém, ela fala como, igual a todo mundo. Liga tá muito boa.”

Com grande indignação um deles nos respondeu acerca daqueles que querem negar que aquela terra pertence aos camponeses:

“Ninguém diga na minha cara não, que vai se acabar mesmo no cacete, na bala… O cara pra me chamar de vagabundo preguiçoso ele tem que ser muito homem porque não é fácil… A gente vive nessa luta pra batalhar o pão de cada dia como nós todos aqui vivem, aí tem um vagabundo que vem dizer que o cara é vagabundo… principalmente pessoas que não tem nada a ver com a terra. Quem diz isso aí é quem não tem nada a ver, que defendem os usineiros que não vivem na terra, que tem inveja, que tem raiva… aí fica falando isso aí. A gente tem muitas pessoas aí em Messias que eles falam isso “ah, porque esse povo tem que sair mesmo, fica tomando o que é da usina”… Só que não diz na vista da gente porque se disser… eles sabem que não diz. Se for perguntar, eles dizem “não mas tudo bem…”

Sobre a luta contra ameaças de despejos um dos camponeses nos contou a longa luta contra sucessivas ataques e a disposição para a luta:

“Já teve cinco, fora essa ameaça agora. Já derrubou cinco. Porque aqui, a gente veio pra aqui… E a gente fiquemos aqui, com um ano e pouco,chamamos por dois anos, e a gente sempre construindo. E a Liga sempre nos apoiando, dando-nos apoio e buscando a realidade. A Liga falou a gente vai brigar até o fim.”

Finalizando a entrevista pudemos perceber o clima de revolta entre os camponeses ante a mais uma tentativa de despejo movida pelos usineiros, um dos camponeses afirmou:

“O que eu tinha eu vendi para investir aqui, é o que você está vendo aqui no cercado. As coisinhas que eu tinha que investir, pronto. Não tem uma casa, se disser assim “hoje…” – que Deus alivre – “vou sair do Lajeiro”, vou ficar na rua. Então eu digo hoje, nessa entrevista que estou gravando. Aqui eu peço a Deus que Deus tome a frente e que não venha nada de mal. Porque aqui, para me tirar daqui tem que ter tropa boa. Porque senão vai ter conflito, vai ter bala e fogo, porque aqui eu vou fazer o que mais se eu sair daqui? “

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As intervenções recentes de Francisco Bosco e Joel Pinheiro da Fonseca suscitaram a reflexão sobre a relevância ou não dos “intelectuais” (progressistas) e do mundo campi, o seu locus, na maioria das vezes. Foram, cada um à sua maneira, provocativos para alguns, ultrajantes para outros, por mobilizarem Olavo de Carvalho na conformação de seus argumentos. Não ratificando as reprovações ofensivas do escritor conservador, o colunista da Folha e o ensaísta carioca, ponderam que as denúncias (violentas) dele tinham lógica, no mínimo: tendo como parâmetro o que se tornou a vivência nas universidades brasileiras, sobretudo, as públicas. O ponto principal, dentre outros, para Carvalho, Bosco e Fonseca, é que a universidade brasileira – representada pelos seus agentes mais importantes, o corpo docente e, em menor medida, o discente – na esmagadora maioria se converteu, ou sempre foi, um espaço elitista, com irrisórias preocupações acerca de questões relevantes (social, política e culturalmente), e de pouca, ou quase nenhuma, organização plural da dinâmica quanto ao aprendizado e circulação de ideias. Respostas se sucederam na nova esfera pública (Habermas) e na vídeoesfera (Debray). Acadêmicos e acadêmicas rechaçaram um e outro por, de certo modo, subscreverem as missivas deselegantes do autor de O imbecil coletivo e Aristóteles em nova perspectiva: teoria dos quatro discursos. O que podemos meditar, criticamente, a partir das considerações de Francisco Bosco e Joel Pinheiro da Fonseca? Nessa primeira parte, trato da questão da pluralidade ou não do que se ensina nas universidades públicas hoje. Na segunda parte ensaio, uma definição de intelectual como contribuição ao debate de esquerda e ao pensamento crítico-radical.

De meu ângulo de observação, particularmente sobre a pluralidade nas ciências humanas e a presença de autores e autoras de direita, conservadores e liberais, nos currículos das universidades, proponho três argumentos.

Primeiro, tendo a concordar, parcialmente, com o raciocínio de Jessé de Souza em sua coluna no ICL-Notícias, de que as universidades no Brasil são espaços institucionais conservadores, liberais e, como pessoa negra, não poderia deixar de afirmar, absolutamente, racistas. O que significa dizer, por óbvio, que estão distantes de serem locais em que a esquerda enquanto tal e a esquerda enquanto estrutura prático-mental predominam; uma coisa são os objetos que se estudam nas ciências socias, na filosofia, na história, na teoria literária e nos estudos de cultura – nesse caso, existe uma força relativa dos autores e autoras do campo crítico –, outra coisa é o ambiente interno mesmo à universidade: as interações diárias, as posturas pessoais correntes, o trato na condução de detalhes do cotidiano, o perfil de quem toma as decisões e a quem interessam essas. Asseverar que um meio social composto por mais de 90% de pessoas brancas em seu corpo docente e discente e que, em contrapartida, apresenta um número considerável de mulheres negras trabalhando como secretárias de departamento, de direção, de reitoria, sem mencionarmos as empregadas terceirizadas da faxina que são de pele preta, – e tudo isso com um naturalismo cínico que sequer Machado de Assis pensou em dar forma literária em romances, contos e crônicas – é de esquerda, é inegavelmente, de um risível desmedido, mas esse, claro, não é o problema para nossos escritores; aqui há uma verdadeira frente ampla entre uma presumida “esquerda” universitária e eles.

Ainda sobre essa linha de pensamento, estudar e pesquisar Althusser e Benjamin, Lacan e Thompson, Adorno e Derrida, Habermas e Deleuze, Fraser e Benhabib, Butler e Freud não torna ninguém, verdadeiramente, de esquerda. Nem mesmo, com certa variação, ao se investigar Lênin, Rosa Luxemburgo, Trótski, Gramsci, Kautsky, Frantz Fanon, Daniel Bensaid etc. torna alguém de esquerda. Essas pessoas serão, antes, um/a especialista que pesquisa (profissionalmente) Althusser e Benjamin, Lacan e Thompson, Adorno e Derrida, Habermas e Deleuze, Fraser e Benhabib, Butler e Freud, e leitor ou leitora de Lênin, Rosa Luxemburgo, Trótski, Gramsci, Kautsky, Frantz Fanon, Daniel Bensaid etc. – mas não necessária, indiscutível e fatalmente de esquerda. É evidente que o caminho dele ou dela para essa corrente é melhor forjado; tem-se uma ponte teórica e de ideias para se chegar a ser de esquerda, crítico, e daí talvez um militante partidário, de movimentos populares e ativista da sociedade civil. Por outro lado, há um grupo de indivíduos que fazem parte desses últimos sem passar pela formação técnico-acadêmica em universidades de excelência.

Ademais, é preciso identificar com algum delineamento objetivo, se certas teorias de certos filósofos, sociólogos, historiadores e críticos da cultura são “realmente” de esquerda – é possível afirmar categoricamente que Jürgen Habermas, Pierre Bourdieu, John Rawls, Seyla Benhabib, Quentin Skinner, Richard Rorty, para citar alguns, sejam de esquerda? – e se assim o forem, qual especificidade? Em relação a que outras abordagens? Qual o impacto dela ou delas na luta de classes? Bosco e Fonseca também não se questionam acerca da constelação de disciplinas nas humanidade. É possível mobilizar o mesmo argumento para a teoria literária e a ciência política? Para a história e a sociologia? Para a filosofia e o direito? Enquanto na teoria literária a crítica marxista-materialista tem presença inconteste (György Lukács, Theodor Adorno, Raymond Williams, Roberto Schwarz, Fredric Jameson, Paulo Arantes, Walter Benjamin, Terry Eagleton), a ciência política e/ou teoria política ainda possui traços epistemológicos da “Guerra Fria” – com raras exceções corajosas como o departamento de ciência política da Unicamp.

Segundo, o ensaísta e o colunista sustentam a ausência de bibliografia conservadora nos cursos, disciplinas, dissertações e teses de pós-graduação. Bosco cita Michael Oakeshott como exemplo e nesse ponto a afirmação de um e outro tem de ser melhor definida. Se Oakeshott – que diga-se, tinha profunda aversão, antipatia, repulsa e hostilidade à democracia de massas ou popular – é um autor esquecido, não se pode dizer o mesmo de Edmund Burke, Alexis de Tocqueville, John Stuart Mill, Joseph de Maistre, Carl Schmitt, Raymond Aron e Hannah Arendt. O que Olavo de Carvalho exigia era a inserção de autores desconhecidos (o que não é um critério para se ler/estudar ou não um autor) do circuito acadêmico brasileiro (e arrisco a dizer latino-americano). Isso era agravado pela característica do mercado editorial nacional e seu veio pragmático. Nomes como Xavier Zubiri, Louis Lavelle, Georges Bernanos, Mortimer Adler, René Guenon, Antonin G. Sertillanges, Bertrand Jouvenel, passaram a ser publicados após as próprias intervenções de Olavo de Carvalho: assim, é responsabilidade da direita o esforço de fazer emergir nas discussões “cultas” e “eruditas” seus autores e autoras (não-convencionais) de predileção, e não, de certo modo, das universidades públicas em um primeiro momento. Se a direita brasileira se contentou por anos, a estar presente e conquistar espaço na imprensa corporativa (como Joel Pinheiro da Fonseca o tem, e Francisco Bosco, um liberal-progressista que também o tem) e abdicou de disputar o âmbito das universidades públicas, um campo/espaço esse com modalidades de sentimentos que lhes seriam favoráveis como dissemos, foi por preferência, conveniência e circunstância ideológica. O próprio Olavo de Carvalho passou mais de duas décadas escrevendo para a mídia tradicional conforme pesquisa do historiador Lucas Patschiki. Francisco Bosco e Joel Pinheiro da Fonseca têm de questionar por que donos e donas de casas editorias (de viés mercadológico) não se esforçam, coletivamente, para ampliar a circulação dos autores a que se referia Olavo de Carvalho – induzindo o interesse pela teoria política de direita. Cobrar, implicitamente, da esquerda (a universitária ou outra) não me parece o mais interessante: já somos totalitários, contra as liberdades individuais, defensores de ditadores e tiranos, corruptos, fiadores de crises sucessivas do país. O que nos faltava era sermos avalizadores da não-presença de Eric Voegelin e Roger Scruton nas universidades e nos suplementos de cultura (da Folha, Estadão, O Globo, Correio Braziliense). A obscenidade de nosso tempo e a intransigência mental de certos setores chega ao nível de exigir de adeptos do pensamento crítico, socialista, comunista e progressista, que defendam as ideias de direita, o conservadorismo e o liberalismo. Respeitar, ofertar o devido reconhecimento das qualidades intelectuais e força teórica de escritores de direita não se confundem com a defesa e a disseminação deles.

Terceiro, a relativa dificuldade do pensamento de direita, conservador-liberal, em se conformar como sistema de cultura – pesquisa, leitura, disciplinas, teses/dissertações, encontros de área – no contexto das universidades e mesmo nas discussões públicas tem uma lógica histórico-social e histórico-cultural, ao menos entre nós. Uma nota acadêmica nessa chave se faz necessária. Ora, afirmar que as ideias conservadoras estão ausentes das universidades é, novamente, impreciso e desatento. Bosco e Fonseca, de modo equivocado, pois constroem discursos esvaziados de conhecimento, obliteram que pensadores como Oliveira Vianna, Alberto Torres e Azevedo Amaral são estudados nas ciências humanas brasileiras – até este momento, malgrado a contribuição inestimável para o entendimento da sociedade brasileira proporcionado por seus ensaios de interpretação, ainda não são considerados escritores de esquerda.

Tratando dos teóricos exigidos pelo ensaísta e pelo colunista da Folha, há um aspecto peculiar em termos compreensivos e socioculturais como dissemos. O pensamento conservador clássico (europeu, fundamentalmente) tem na premissa nostálgica do passado ponto fundamental. Assim, a obra de Oakeshott, expressa, por exemplo, um elogio elegante, sútil e proseado das formas de organização do “governo da Inglaterra Medieval”: esse não se baseava em absoluto no “estabelecimento de coisas boas em abstrato, […] [na] perfeita vida humana”, mas somente em “provisões judiciais de estilo cético”.1 E sir Roger Scruton (agraciado com honrarias do Estado húngaro pelas mãos de Viktor Orban) asseverava que deve se desconfiar da democracia por desprezar os desejos dos “que já morreram, […] [o desejo] de gerações passadas”;2 com efeito, para Scruton, não podemos afiançar sem meditações cuidadosas o fim da Monarquia – “[pois] os monarcas são, num sentido muito especial, a voz da história, e o modo muito acidental [sic] por meio do qual eles recebem o cargo enfatiza as bases de sua legitimidade na história de um povo, de um lugar e de uma cultura”.3 Transpostos para a experiência e entendimento de si da sociedade brasileira (aqui é necessário fazer alusão ao nosso cinismo), particularmente, no espaço das universidades públicas, converteriam-se em um conservadorismo difícil.

Definitivamente, para além das rebeliões quilombolas – a auto-organização política dos negros e negras (ex)escravizados irradiados a partir de Palmares – não temos um passado de glórias. Nosso pretérito, infelizmente (ou felizmente para alguns…) Bosco e Fonseca, é o da senzala, da violência do chicote, do atraso bárbaro, do latifúndio, do mandonismo, dos golpes empresariais-civis-militares e tutti quanti. A leitura, estudo e pesquisa de certos autores e obras, mesmo em uma cultura de desfaçatez de classe como a nossa, “obedece”, por vezes, estruturas de sentimentos presentes – em linguagem hegeliana, a filosofia são as vicissitudes do mundo histórico em contradição. Os alemães, por exemplo, não leram Thomas Hobbes com afinco no período de 1900 a 1933 por mera fortuidade; o Leviatã, era a teorização que proporcionava, naquela quadra, a melhor possibilidade de entendimento sobre o significado do Estado moderno em uma sociedade abatida por crises políticas, revoluções e exigências de formação institucionais que fossem condizentes com os projetos da nação. Nossa busca eterna de superação de nosso passado infame responde a ânsia pelo pensamento crítico, de “esquerda”, ao longo de nossa história social, política, cultural e intelectual – seria um tanto peculiar se ao invés de Gramsci e Foucault, predominasse por aqui, nos campi, Jordan Peterson e Russell Kirk. As exigências de Francisco Bosco e Joel Pinheiro da Fonseca são legítimas, mas necessitam de formulações mais bem elaboradas, coerentes e consequentes (assumindo as implicações de autor A ou B) – e, talvez, obscenas como às do Brasil Paralelo e sua defesa da sociedade remota, inclusive a nossa (e que ainda persiste). Determinar que uma suposta “esquerda” universitária e o pensamento crítico (socialista, comunista e progressista) o façam, parece-me um pouco ingênuo, para não dizer ridículo.

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